O Metrópoles teve acesso ao documento nesta quarta-feira (3/3), um dia após professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) assinarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em troca do arquivamento de um processo instaurado por terem feito críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O documento enviado pelo MEC às universidades federais diz que caberia punição a um comentário ou ato político-partidário ocorrido “no espaço físico onde funcionam os serviços públicos; bem assim, ao se utilizarem páginas eletrônicas oficiais, redes de comunicações e outros meios institucionais para promover atos dessa natureza”.
Em outra parte do ofício, o MEC caracteriza como “imoralidade administrativa” a promoção de “eventos, protestos, manifestações etc. de natureza político-partidária, contrários ou favoráveis ao governo“. O texto foi assinado por Eduardo Gomes Salgado, diretor de Desenvolvimento da Rede de Ifes.
O ofício foi baseado em recomendações de 2019 do procurador-chefe da República em Goiás, Ailton Benedito de Souza. Autodeclarado conservador, o procurador já protagonizou outras ações em defesa do que é divulgado pelo governo Bolsonaro, e foi apontado pelo site fact-checking aosfatos.org como um dos principais propagadores de conteúdo sobre cloroquina.
Em janeiro, abriu um inquérito civil para investigar o Twitter por classificar uma publicação do Ministério da Saúde sobre “tratamento precoce” contra a Covid-19 como “enganosa”.
Em março, Benedito abriu investigação contra o Facebook por suposta censura da rede social a posts sobre a Covid-19. Em dezembro de 2020, o procurador também requisitou informações à Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) acerca da publicação “Atualizações e Recomendações sobre a Covid-19”, questionando os estudos clínicos que embasaram as recomendações divulgadas pela entidade.
Na recomendação do MPF de 2019, citada no ofício, o procurador Ailton Benedito disse que uma manifestação política contrária ou favorável acabaria por ferir o “princípio da impessoalidade”.
A recomendação do órgão ainda afirmava que manifestações de natureza político-partidária nas dependências das instituições de ensino culminam na “paralisação das atividades escolares, danos ao patrimônio público, prejuízo ao calendário estudantil, intimidação dos estudantes e funcionários, invasões ou ocupações dos prédios por supostos estudantes e outras pessoas, bem como integrantes de movimentos sociais, em protesto contra diversas ações do governo”.
“Tais práticas violam, à primeira vista, as normas constitucionais e legais, além de caracterizarem impedimentos ao exercício dos direitos sociais fundamentais à educação dos estudantes e ao trabalho dos professores e técnicos do sistema de ensino”, diz a recomendação do MPF.
O texto ainda reforça que a liberdade de expressão encontra “limites expressos e implícitos” no direito brasileiro, “não sendo, pois, assim como qualquer direito, considerado valor absoluto, imune a controle”.
Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que atos que vão contra a liberdade de expressão de alunos e professores, assim como tentativas de impedir a propagação de ideologias ou pensamento dentro das universidades, são inconstitucionais.