Novamente estamos diante de um problema recorrente. Estou me referindo à pecuária onde os inimigos e colaboracionistas tentam forçar o estado a transferir a obrigação de fiscalização para os frigoríficos e supermercados, transformando-os em xerifes da pecuária.
Alguns grandes frigoríficos, os quais já me referi em artigo anterior, com a anuência de grandes bancos, aderindo aos ideários exógenos, pregam desabridamente a rastreabilidade como forma de fiscalização para o combate aos fornecedores indiretos, que talvez sejam desmatadores, e já a estabeleceram como regra na aquisição de animais. O raciocínio é muito simples, regras duras que apenas empresas com capacidade financeira para cumpri-las concretizam o “monopólio da aquisição de bovinos”, excluindo do processo e quebrando a maior parte dos pequenos e médios frigoríficos que são os últimos baluartes de defesa contra tal monopólio.
O grande objetivo dos que pregam a rastreabilidade animal é que os consumidores, doravante, somente devam consumir carne de animais que possuam a certificação de “pedigree”, com as suas assinatura apostas nos rótulos das embalagens exibidas nas gondolas dos super mercados e estabelecendo o valor que os pecuaristas devem cobrar pela arroba dos bois.
Os inimigos externos e os brasileiros colaboracionistas consideram que a pecuária é o portão de entrada para o ataque ao Agro nacional. A consequência do sucesso de tais ataques, que algumas empresas com a sua cupidez não conseguem divisar em razão que os limites das suas visões são seus próprios ganhos financeiros, é o “encolhimento” do Brasil no mercado internacional, a perda de acesso da população mais carente aos alimentos e a consequente redução da produção com a redução do consumo. O país regredirá no tempo voltando àquela triste época em que se descartava ou queimava parte da produção por falta de consumo e muitos pecuaristas seriam desencorajados a se manter na atividade.
A discussão sobre os fornecedores indiretos não é novidade, há alguns anos, acompanhado com nosso Advogado Dr. Pedro Dall’Agnol, participei, à convite, de uma reunião com a Dra. Suely Araújo, uma Doutora em Ciências Políticas, que presidia o IBAMA. A Doutora estava acompanhada de todo o seu staff, um verdadeiro confronto entre Davi e Golias.
Durante a reunião, entre outros assuntos, a Presidente afirmou: “estamos monitorando a aquisição de bovinos e apuramos que os seus fornecedores tem comprado animais de propriedades com desmatamento ilegal”, a minha resposta foi curta e grossa, o que praticamente encerrou o encontro – “Dra. Suely, se o IBAMA tem o aparato tecnológico para identificar os fornecedores indiretos desmatadores, porque não nos avisa e quer nos transferir o ônus da fiscalização?” Após a reunião, nenhuma providência foi tomada para coibir a venda feita por fornecedores indiretos alegadamente desmatadores.
As grandes empresas monopolistas agora ressuscitam o assunto com outra roupagem, seguindo os ideários exógenos. A informação que circula no mercado alegando que o novo sistema de compra de bovinos se destina a atender exigências de determinados países importadores de carne bovina é falaciosa. A grande pergunta é: os países que nos chantageiam estão dispostos a trocar os produtos brasileiros por outros bem mais caros e sem a segurança alimentar que oferecemos? Talvez substituam a nossa carne pela da Irlanda, cujo custo de produção é 4 vezes o nosso, em uma época que a pandemia quebrou a maioria dos caixas. Claro que quem estabelece as regras de importação é o país importador, mas com parcimônia.
O que não se menciona, é que para exportação de carne existe um procedimento internacional representado por um protocolo sanitário que, depois de negociadas exaustivamente as exigências sanitárias, é assinado esse compromisso entre o país importador e o exportador. Não são permitidas quaisquer exigências além das sanitárias e, mesmo assim, um país importador somente pode exigir compromissos sanitários se internamente os cumpre.
As regras básicas estão previstas em um acordo da OMC sobre como os governos podem implementar medidas sobre segurança alimentar, saúde animal e medidas de preservação de plantas (Acordo SPS). Qualquer barreira exigida na importação de proteína animal, além dessas, demandaria uma nova negociação entre os governos dos dois países envolvidos. Como se vê, o acordo SPS da OMC é referente apenas a barreiras sanitárias e fito sanitárias (aí o enquadramento de toda a agricultura), não há quaisquer previsões ambientais ou de bem estar animal, conforme vem pretendendo há muito a União Europeia. Será que o Governo brasileiro se curvaria diante dessas exigências totalmente esdrúxulas e não praticada pelo mercado internacional? O Brasil estaria disposto a vender a alma e a crucificar os pequenos e médios às margens da “Via Ápia”?
Quaisquer exigências que ultrapassem as usuais barreiras sanitárias praticadas nas negociações internacionais para a importação de animais vivos e proteínas animais configurar-se-iam em barreiras comerciais, o que levaria o assunto para a jurisdição da OMC – Organização Mundial do Comércio e demandaria um procedimento junto àquela Organização.
Concordar com as exigências de outros países feitas através do discurso: ou vocês aceitam ou paro de importar, se configura, até melhor juízo, como aceitação de chantagem e blefe. Afinal esse tipo de declaração contraria toda a prática econômica, estratégica e fisiológica do mercado global. A ameaça feita por certos países é a maior das fake news que circulam no Brasil, por ser inadmissível diante do regramento existente e que baliza o comércio de produtos agropecuários.
O que nos deixa bastante perplexos são as negociações diretas entre exportadores e os países importadores para a aceitação dessas barreiras, em franco “bypass” ao governo brasileiro e à OMC. Tradicionalmente e acertadamente as negociações em relação às exportações do Agro são conduzidas no Brasil pelo MAPA, representando o Governo, com o inestimável apoio da área diplomática. Essa atitude das empresas as converte em “Organizações Neo Governamentais”, com o sonho de substituir o Governo e começar a ditar políticas públicas.
O mais grave é que toda a grande mídia continua divulgando a chantagem de alguns países como se fosse a atitude correta para coibir crimes ambientais, sem a mínima verificação se a prática é admitida pela entidade que regula as barreiras ao comércio internacional e tampouco se os acusadores cumpriram historicamente com a preservação que hora imputam ao Brasil. O cenário que se testemunha é de um festival de ilegalidades. Não se pode combater ilegalidades com ilegalidades.
Todo e qualquer desmatamento que é defeso no Código Florestal vigente é ilegal, assim como toda e qualquer barreira às importações não admitidas pela OMC são ilegais. A grande mídia formadora de opinião, com o tipo de divulgação utilizada, consegue convencer os cidadãos da área urbana de todo o mundo que desconhecem, não por simples ignorância e sim porque não é assunto do seu dia a dia, como funciona o comércio internacional e as regras que o balizam.
O maior de todos os crimes cometidos contra o Agro é a generalização do termo “produtor rural”, cuja a classificação é exclusiva de quem produz dentro da legalidade. Os que cometem crimes ambientais, grileiros e outros não são dignos dessa classificação e devem ser expurgados e penalizados. É preciso separar o joio do trigo, caso essa separação não seja feita, o mundo passa a achar que todos os alimentos exportados por nós são produzidos por bandidos e utilizam o argumento como forma de chantagem para ganhos econômicos maiores. É o caso típico de uma insignificante minoria qualificar uma maioria quase absoluta.
Para finalizar e voltando ao tema fiscalização, não há porque o governo delegar ao privado a fiscalização dos fornecedores indiretos quando somente ele e grandes grupos empresariais dispõem do aparato tecnológico capaz de executa-la. Paralelamente não faz parte da atividade privada a fiscalização do cumprimento das Leis, por ser uma atividade exclusiva do Poder Público. A atividade de fiscalização seria um ônus a mais na cadeia produtiva de alimentos. O governo não pode perder de vista que a cadeia produtiva de alimentos começa no produtor e termina no consumidor – do campo à mesa. Um acréscimo de custos, em qualquer elo dessa cadeia, impacta diretamente nos consumidores, notadamente nos mais pobres que chegam a constituir mais de 70% da população do Brasil.
Gil Reis
Consultor em Agronegócio