Esta semana tive acesso ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, uma publicação periódica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que trás gráficos e análises a respeito da criminalidade em nosso país durante o ano de 2021. O documento está na internet e das fls. 78 até 90, Samira Bueno, Dennis Pacheco, Talita Nascimento e David Marques analisam os números a respeito da mortalidade causada pelas polícias brasileiras.
No geral, apesar do elevado número de mortes em decorrência de ações policiais, o Brasil experimentou uma redução pela primeira vez em 2021. Uma redução de 4,2% em relação ao total de vítimas do ano anterior, fenômeno observado em 16 Unidades da Federação, seguindo a tendência de queda da taxa de Mortes Violentas Intencionais, que caiu 6,5% no país no mesmo ano.
Mas se por um lado a letalidade policial caiu no país, o Amapá andou na contramão de direção (ver o gráfico acima). Velha face de um velho e terrível problema, porque mais uma vez figuramos como o Estado da Federação que possui a polícia mais letal do Brasil.
O nosso Amapá é o Estado que mais chama a atenção onde “a taxa de pessoas mortas pela polícia chegou a 17,1 por grupo de 100 mil habitantes, quase 6 vezes a média nacional de 2,9 por 100 mil. Esta é a maior taxa já verificada desde que o Fórum Brasileiro monitora o fenômeno nacionalmente, e mesmo em países com forte tradição autoritária e cujas polícias tendem a ser violentas não se tem notícias de padrão de uso da força similar.
Isso sugere, de acordo com os especialistas, abusos de autoridade e execuções sumárias, misturadas a casos de uso legítimo da força.
Sei perfeitamente que o tema incomoda muitos, mas soa bem a outros tantos. Acompanho nas redes sociais o frison que causa em determinada e determinável categoria de pessoas uma notícia de morte de criminosos “em confronto” com policiais. A celebração de “cancelamentos de CPFs” já virou rotina no Estado e só para se ter uma ideia este ano, que está só começando (começa mesmo depois do carnaval), já temos registrados, em média, um morto a cada dois dias pela força.
Um povo civilizado não pode aceitar isso. Sei que a América latina é extremamente violenta. Concordo com Zaffaroni que atribui ao nosso sistema colonial e racista a origem do problema. Mas não posso aceitar inerte uma necropolítica que está acontecendo debaixo de nossos olhos e não fazemos absolutamente nada para mudar este cenário. Ao contrário, nos omitimos e damos legitimidade às práticas de eleição de inimigos (aqui pra nós são os criminosos patrimoniais) para exterminá-los em prol de uma suposta paz social, matar essa gente estigmatizada ao invés de trazê-los às barras da justiça como determina a Constituição e as leis do país.
Nós, autoridades estaduais, precisamos “encarar de frente” este problema, formemos força tarefa, sei lá, mas se a Secretaria Pública, o Comando Militar, o Ministério Público e a justiça estadual nada fizerem – e olha que a tempos tenho repetido que precisamos agir – então está passando da hora de as autoridades federais intervirem, haja vista o grau de infração aos Direitos Humanos que uma morte mal esclarecida e investigada, gerada por aqueles que tem a missão precípua de fazer cumprir com exatidão o ordenamento jurídico brasileiro, aliado à omissão, por qualquer razão, dos atores sistema formal de justiça (Promotores e Juízes de ambos os graus de jurisdição), outro caminho não restará senão a intervenção do CNJ, do CNMP, da Procuradoria da República e da Justiça Federal, para não sermos condenados amanhã na Corte Interamericana de Direitos Humanos, como recentemente aconteceu no caso Favela Nova Brasília, que versou sobre a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação do direito à vida e à integridade pessoal de 26 homens assassinados e 3 mulheres vítimas de violência sexual durante operações policiais realizadas na Favela do mesmo nome, situada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2 incursões ocorridas nos dias 18 de outubro de 1994 e em 8 de maio de 1995.
Não faço ideia do que seja o dia-a-dia dos policiais na rua. Sei perfeitamente que a criminalidade no Amapá só aumentou nos últimos anos com a presença de facções e de um crime violento que tem se mostrado organizado. Mas nada disso pode ser desculpa para também nós não nos organizarmos racionalmente.
Acredito que há métodos e técnicas de abordagem para trazer um criminoso preso no camburão e não cadáver em um carro tumba da Polícia Técnica. Trocas de tiros e resistência à atuação policial, por exemplo, têm de ser minuciosamente investigados, porque a pretexto de agir na legalidade (legítima defesa), podemos estar praticando excessos puníveis inaceitáveis.
Não quero e nem vou adentrar na particularidade de cada caso haja vista meu impedimento de manifestação em casos em andamento. Mas fico a disposição pelo menos naqueles casos que hoje têm de ser analisados como estudo nas academias de polícia para evitarmos a repetição do indesejado.
Precisamos fazer alguma coisa, porque de fato o gráfico acima nos envergonha para o mundo. Não estou e jamais irei criticar por criticar, porque reconheço e faço aqui o registro de todo o esforço e empenho do Secretário de Estado da Justiça e Segurança Pública, o Coronel José Carlos Correa de Souza, e do Delegado-Geral da Polícia Civil o Dr. Uberlândio Gomes sem os quais talvez o quadro fosse pior.
Registro também todo carinho que tenho pela Coronel Heliane Braga de Almeida, que juntamente com seu esposo, o Coronel Aldinei Almeida, ambos meus alunos na UNIFAP, tão bem conduziram os destinos da caserna nesse período.
Vamos aguardar a escolha do próximo Secretário, que o Governador Clécio Luiz deve anunciar em breve. Torço para que o Coronel Adilton Corrêa, que recentemente assumiu o comando da PM do Amapá, realize um excelente trabalho, pois na solenidade de passagem de comando fez um maravilhoso discurso prometendo uma gestão eficiente, humana e com uso de novas tecnologias. Esse é um bom caminho para começar a agir.