O ano começa com dois casos graves, que ocupam o noticiário e as conversas: a tragédia vitimando Ianomâmis e os vandalismos dos chamados atos antidemocráticos.
A questão envolvendo a tragédia humanitária com ianomâmis merece ser investigada a fundo, ouvindo-os e, também, às ONGs envolvidas com ações ali, bem como representantes da Funai, dos Garimpeiros, das entidades de assistência local e dos órgãos e representantes do Executivo Federal, Estadual e de municípios da região .
É preciso que tudo seja investigado e que se conheça todas as concausas que levaram ao grave episódio.
É crível que o resultado dramático e lamentável não tenha apenas uma causa e um culpadoe, por isso, CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Congresso Nacional talvez seja o melhor espaço para se investigar, profunda e detalhadamente, toda a cadeia de fatos, ações e omissões, envolvendo o assunto: do fluxo migratório da Venezuela à ação dos garimpeiros; da contaminação da água e alimentos à disponibilidade desses; da hipotética mudança climática na região à assistência a cargo de ONGs; da avaliação do fluxo de dinheiro para ONGs à sua gestão.
Além disso, deve apurar eventuais ações e omissões de gestores públicos, tanto no plano federal quanto nos níveis estadual e municipal, como também a ação de organismos de assistência que dão suporte na área de fronteira e na grande região envolvida, pois só a área brasileira da Reserva corresponde ao dobro do tamanho da Suíça (!) – sendo bom lembrar que a área total (brasileira e venezuelana) equivale a 4 Suíças (perto de 18 milhões de hectares).
Por fim, tragédias lá não são apenas as de 2023, pois fatos afins, lamentavelmente, também ocorreram no passado, como noticiado em 2014, pela BBC, que registrou que “desnutrição matou 419 crianças indígenas desde 2008” (BBC, 21.2.2014).
Que venha CPI e que se apure tudo, para se passar a limpo essa situação, de uma vez por todas.
Outra questão que deve ser detalhadamente apurada em CPI é a que envolve os trágicos fatos ocorridos em Brasília, no dia 08 de janeiro. A respeito, em fevereiro, o Congresso Nacional deve iniciar os trabalhos da CPI, que permitirá que os parlamentares apurem a ação de cada um dos envolvidos, identificando mandantes e executores, financiadores e eventuais manipuladores de informações e pessoas; descobrindo se – e quais – autoridades e servidores, porventura, praticaram condutas omissivas ou comissivas que colaboraram para o resultado, como, por exemplo, eventuais falhas nos sistemas de guarda e segurança, não somente nas áreas externas da Praça dos Três Poderes, como, também, nas portarias e nos andares dos prédios invadidos; categorizando e revelando eventuais grupos organizados e a sua natureza; identificando toda sorte de ações que tenham, como concausas, contribuído para aquela ocorrência absurda – por todos vista e condenada.
Cabe-lhe, também, apurar se houve hipotética ação de infiltrados e quem são e como e por qual motivo agiram.
Outra questão importante se relaciona ao conceito do terrorismo, que no Brasil é regulado pela Lei Federal 13.260/2016, sancionada por Dilma Rousseff, que, em seu artigo 2º, caput, faz integrar o tipo penal (a figura que define a conduta criminosa) com o atributo de ter o acusado agido “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião” e, nesse sentido, ao julgar o Habeas Corpus 517.118-RJ, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, assim decidiu:
“O uso da expressão “por razões de” indica uma elementar relativa à motivação […] A tipificação da conduta descrita no art. 5º exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º da Lei Antiterrorismo. 4. O Tribunal local […] terminou por admitir a configuração do delito sem a clara definição da motivação. Trata-se de operação indevida […] 5. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado […] e determinar o rejulgamento da causa pelo Tribunal local”…
Além disso, a ação jurídico-constitucional da CPI poderá colaborar na individualização da conduta de cada um dos envolvidos, como exige o Código Penal, em seu art. 29: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
O Brasil tem experiência com CPIs, que marcaram a sua história jurídico-política, como, dentre tantas, exemplificam a que apurou o chamado “Esquema PC”, sobre fatos envolvendo ex-tesoureiro de campanha e ex-presidente – que sofreu Impeachment pelo Congresso Nacional, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal; a CPI do IBAD e do IPES, de 1963, presidida por Ulisses Guimarães (o IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o IPES – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais eram instituições que recebiam capital estrangeiro para influir no sistema político e nas eleições nacionais. Consta que influenciaram na eleição de Jânio Quadros e que o IBAD financiou candidatos em vários estados, inclusive Carlos Lacerda (RJ) e Ademar de Barros (SP); a CPI dos Anões do Orçamento, envolvendo recursos federais; a CPI dos Correios, que começou com um propósito e, depois, se refletiu na chamada CPI do Mensalão; a CPI do Mensalão, relativa a esquema de compra de votos; a CPI dos Bingos, envolvendo acusações de lavagem de dinheiro e outras questões; a CPI da Máfia das Sanguessugas, relativa a acusações de fraudes na aquisição de ambulâncias; a CPI do Banestado, sobre supostas remessas ilegais de divisas ao exterior; a CPI da Petrobrás, sobre acusações de irregularidades.
Por fim, o mundo está atento, desejando que tudo – absolutamente tudo – seja apurado e torcendo pela justa punição dos responsáveis.