Os graves fatos ocorridos no último domingo (08.01) exigem profunda apuração, para dura responsabilização dos envolvidos. Dentre outras medidas, o lamentável contexto já ensejou requerimento para a abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Congresso Nacional, cujos trabalhos deverão ser iniciados em fevereiro próximo, conforme recém anunciado.
O procedimento, de natureza jurídico-constitucional, é regrado pela Constituição Federal, em seu artigo 58, § 3º, destinando-se à apuração de “fato determinado”, o qual poderá ser aditado, para inclusão de outros, inicialmente não previstos.
Ulisses Guimarães, conhecido como o “Senhor Diretas”, pelo seu esforço no processo de redemocratização do país e retomada das eleições diretas, foi o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte que nos legou a vigente Constituição Federal, de 1988: a “Constituição Cidadã”. Com sua longa experiência parlamentar, Ulisses Guimarães dizia que “CPI a gente sabe como começa, mas não como termina”.
A verdade é que, por sua cognição ampla, a CPI destina-se à apuração do fato determinado que motivou a sua instauração, podendo investigar as suas causas, os mecanismos de atuação dos envolvidos, as responsabilidades de atores diretos e indiretos, os financiadores e o fluxo de dinheiro, cabendo-lhe requerer diligências, ouvir indiciados e testemunhas, requisitar informações e documentos e determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, enfim, tudo podendo fazer para apurar e aclarar o que se propõe a investigar.
Quanto à CPI dos Atos Antidemocráticos, é certo que despertará grande interesse na população e, decerto, será acompanhada de perto, por todos.
É crível que será – como já é – debatida entre muitos, como outras do passado, que entraram para a nossa história, tais como:
(1) a que apurou o chamado “Esquema PC”, sobre fatos envolvendo ex-tesoureiro de campanha e ex-presidente – que sofreu Impeachment pelo Congresso Nacional, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal;
(2) a CPI do IBAD e do IPES, de 1963, presidida por Ulisses Guimarães. O IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o IPES – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais eram instituições que recebiam capital estrangeiro para influir no sistema político e nas eleições nacionais. Consta que influenciaram na eleição de Jânio Quadros e que o IBAD financiou candidatos em vários estados, inclusive Carlos Lacerda (RJ) e Ademar de Barros (SP);
(3) a CPI dos Anões do Orçamento, envolvendo recursos federais;
(4) a CPI dos Correios, que começou com um propósito e que, depois, se refletiu na chamada CPI do Mensalão;
(5) a CPI do Mensalão, relativa a esquema de compra de votos;
6) a CPI dos Bingos, apelidada de “CPI do Fim do Mundo”, envolvendo acusações de lavagem de dinheiro e outras questões.
(6) a CPI da Máfia das Sanguessugas, relativa a acusações de fraudes na aquisição de ambulâncias;
(7) a CPI do Banestado, sobre supostas remessas ilegais de divisas ao exterior;
(8) a CPI da Petrobrás, sobre acusações de irregularidades.
Sobre a CPI em criação, poderão os parlamentares se debruçar sobre cada um dos envolvidos naquela gravíssima situação, identificando mandantes e executores, financiadores e eventuais manipuladores de informações e pessoas; apurando se – e quais – autoridades e servidores tenham, porventura, praticado condutas omissivas ou comissivas que colaboraram para o resultado, como, por exemplo, eventuais falhas nos sistemas de guarda e segurança, não somente nas portarias, mas, também, nos andares dos prédios invadidos, dos três poderes; categorizando e revelando eventuais grupos organizados; cruzando mensagens em aplicativos de celular e considerando contas bancárias e afins; identificando toda sorte de ações que tenham, como concausas, contribuído para aquela ocorrência absurda – por todos vista e condenada.
Cabe-lhe, também, apurar se houve hipotética ação de infiltrados e como e por qual motivo agiram.
Outra questão importante se relaciona ao conceito do terrorismo, que no Brasil está previsto na Constituição Federal e na Lei Federal 13.260/2016, sancionada por Dilma Rousseff. Esta lei, em seu artigo 2º, caput, faz integrar o tipo penal (a figura que define a conduta criminosa) com o atributo de ter o acusado agido “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião” (expressões da lei) e, nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 05.12.2019, ao julgar o Habeas Corpus 527.118-RJ, do qual foi relator o Ministro Sebastião Reis Junior, por entendimento unânime dos Ministros da 6ª Turma, assim decidiu:
“O tipo penal exerce uma imprescindível função de garantia. Decorrente do princípio da legalidade, a estrutura semântica da lei incriminadora deve ser rigorosamente observada […] 2. O uso da expressão “por razões de” indica uma elementar relativa à motivação […] na tipificação penal brasileira […] A tipificação da conduta descrita no art. 5º exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º da Lei Antiterrorismo. 4. O Tribunal local […] terminou por admitir a configuração do delito sem a clara definição da motivação. Trata-se de operação indevida […] 5. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado […] e determinar o rejulgamento da causa pelo Tribunal local”…
Além disso, a ação jurídico-constitucional da CPI poderá, ainda, colaborar na individualização da conduta de cada um dos envolvidos, como exige o Código Penal, em seu art. 29: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
Noutra senda, o mundo está de olho e atento ao desenrolar dos fatos e, sim, torcendo pela justa punição e responsabilização criminal dos envolvidos naqueles atrozes atos, como, de fato, cada um de nós também está, inclusive por saber que a estabilização da vida social e democrática depende de paz e de segurança jurídica e, também, da justa punição dos culpados – pela prática de todos os crimes.
A CPI vem em boa hora e urge se desenrole com a desenvoltura natural e desejável, para que se apure tudo – absolutamente tudo, retirando-se, também, os véus de inocência – e seja, como aquelas antes referidas e que lhe antecederam, democrática e republicana marca positiva na nossa História.