Deus estava em momento de inspiração quando formatou a flor do maracujá. É linda. Seu colorido é de uma harmonia sublime, embora, tanto quanto sei – e sei muito pouco – o perfume o Senhor não concedeu à flor: reservou-o para o fruto. O maracujá, como o cupuaçu, o bacuri, o cutite e outros produtos de nossa Amazônia, é o tipo da fruta que, se você a tiver em casa, não pode mentir a ninguém dizendo que não a tem: o perfume é tão intenso e delicioso que o mentiroso é logo desmascarado.
Sendo uma trepadeira, o pé de maracujá cresce em anteparos aos quais se agarra com gavinhas, que são a extremidade das ramas que se enovelam no caramanchão. As gavinhas formam graciosos arabescos, escalando a estrutura que lhes dá apoio e permitindo que se desenvolvam as latadas onde aparecerão, no tempo devido, as flores e os frutos do maracujazeiro.
E o coração, que tem a ver com o maracujá? -, perguntar-se-ão alguns dos meus leitores mais impacientes. Pode ser que a resposta tenha a ver com a tradução do “passion fruit”, fruta da paixão; mas não para mim.
Para mim, o coração e o maracujá se assemelham por causa das gavinhas. São as gavinhas que, persistentemente agarradas ao caramanchão, vão permitindo com que a planta se desenvolva, crescendo a partir de uma sementinha lançada à terra, adubada e regada com amor e dedicação.
Despontado o primeiro brotinho, a planta logo se põe à busca do anteparo ao qual se juntará e se prenderá durante toda a vida, a ele amarrando-se e subindo até que, adulta, dará flores e frutos.
Descobri que, ao nascer, meu coração veio como o maracujazeiro. Como é normal, apeguei-me, desde quando não passava de um frágil brotinho, primeiramente aos meus pais, aos meus irmãos, à minha família. Com o tempo, vieram os muitos amigos: uns, a vida afastou; outros, a morte levou de vez. Os que restaram são o caramanchão ao qual meu coração maracujá se apega com as gavinhas da emoção, das lembranças compartilhadas, do amor que cultivamos, e isso me permite continuar vivendo. Não sei se minha missão é continuar pelo tempo que me resta buscando chegar à florada para – quem sabe? -, ainda dar alguns frutos.
No hemisfério sul, estamos no outono, mês das frutas, época das colheitas. Dizem que, na vida da gente, é possível identificar estações. A primavera seria a infância, a adolescência. O verão, com o calor e os dias mais longos, o começo da idade adulta, seu destemor, sua ânsia de viver com intensidade, suas paixões arrebatadoras, sua luta para ser bem sucedido. Em seguida, na plenitude da maturidade, chegam os dias amenos de outono, com as árvores começando a despojar-se de seu verdor, desnudando-se à espera do melancólico inverno dos dias curtos, das noites mais longas: é a velhice a bater às portas de cada um de nós.
Não sei se o maracujá continua a florir quando o outono cede espaço ao inverno. Sei que para mim, em qualquer estação da vida, as gavinhas que me prendem aos amigos, às pessoas que eu amo, lá estão firmemente agarradas ao caramanchão da minha existência. Comigo continuarão, os meus amados, na primavera de minhas lembranças, acompanhando-me pelas memórias dos divertidos verões, meditando comigo nas minhas fases outonais, e, por fim espero que ligados ficaremos e seguiremos aprendendo a viver neste inverno que durará o tempo que Deus quiser.