busquei-o e não o achei. Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade;
pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma;
busquei-o e não o achei. Acharam-me os guardas que rondavam pela cidade. Eu perguntei-lhes: vistes aquele a quem ama a minha alma?”
– CÂNTICO DOS CÂNTICOS, 3: 1-3
Havia de convidar-te, meu amor, para ouvires comigo a música do saxofone. Há que haver música, aquela que flui do instrumento e ressoa na alma. Há que haver um encontro das nossas essências, uma comunhão dos nossos atributos fundamentais em perfeita fusão, diluídos que nos faremos em mistura homogênea e definitiva; e seremos um só.
Havia de convidar-te para te perderes comigo na contemplação das rochas. Nelas, há uma certeza visível de permanência, ainda que não seja de eternidade. E nessa pedreira há que haver musgo, musgo de vida que se renova: contraste entre a brevidade úmida da vida do limo e a solidez morta da rocha. Entregues a essa contemplação, nosso ouvir será transcendental; e escutaremos o pulsar do musgo a se desenvolver, e o rumor da natureza em seu esforço de criação da pedra. E seremos únicos, muitos em um só, tu e eu, meu amor.
Há que haver o mar, o grande mar selvagem, tigre a que o vento do largo eriça o pelo. Naquela imensidão de vida e de morte, levar-te-ei pelos seus confins. Tua mão estará entre as minhas, e nos poremos a cavalgar o vento: correndo em desvairado galope por sobre as ondas, faremos ousados rasantes, com as espumas a fazer carícias geladas em nossas pernas nuas.
Tu rirás: o teu riso cristalino ecoará nos quatro cantos do mundo, e será como a nota clara de um violino entre os acordes graves do trovão e o cavo mugir das vagas.
A paisagem estará cinza-chumbo, mas os relâmpagos brincalhões farão alegres piscares para teu deleite e aprazimento.
Naquela vastidão apocalíptica, há que chegar o instante em que nosso corcel mágico voltará a ser o vento, mas nós não seremos atirados à massa de água que ruge e se agita. Pela mágica de nossa paixão, entraremos no turbilhão, nossas partículas prateadas cintilando a fazer loucos volteios, transformados que estaremos em vento: nós, tu e eu, o vento, uma coisa só.
Há que chegar aquele dia, meu grande amor, em que não carregarei mais a solidão de minha individualidade; e tu… tu também abrirás mão de tua essência para te fundires a mim. Aí então, neste mundo de unidades egoístas repassadas de solidão seremos alegre exceção porque seremos o instrumento e a música, a pedra e o musgo, o mar e o céu, a nuvem e o raio, o relâmpago e o vento, pois naquele dia de júbilo seremos um – não um e uma, como agora ainda o somos, mas a unidade total a que chegaremos naquele dia. Naquele dia em que o tempo não conta, a água não molha, a luz não ilumina, o sol não aquece: em nosso êxtase nada mais importará senão nossa essência comungada, a nossa essência infinita enfim serenizada.