Furar a fila é uma prática brasileira tão comum e normal quanto andar pra frente. Há uma verdadeira pedagogia diária de como mutilar o caráter furando a fila. Da fila do caixa no supermercado à fila da hóstia ou da benção na igreja há a prática de furar a fila sempre com uma desculpa desarrazoada, mas tolerada. E assim se vai criando os monstros sociais, adoradores de privilégios e justificadores radicais do mau-caratismo que passa a compor a índole do brasileiro.
Bem recentemente, iniciou-se um movimento no Brasil que deu bafejos de esperança aos brasileiros com uma suposta luta contra a corrupção e privilégios. Segundo seus arautos e seguidores era chegada a hora de dar um basta na corrupção, começando pela política. Seus principais expoentes foram Joaquim Barbosa, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e sua turma. Na política, surgiram outros nomes, dentre eles Janaína Paschoal e Bolsonaro que encarnaram o outro lado da moeda e que fizeram juras de morte contra a corrupção e o atraso. Não é preciso afirmar que esse movimento era uma farsa tão violenta e covarde quanto o Cavalo de Tróia. Dentro deles estava o inimigo.
A chegada da vacina contra a Covid19 veio ratificar que o Cavalo de Tróia do movimento anticorrupção continua agindo livremente e, pior, com seu poder destrutivo dobrado. Sem falar na balburdia da falta de planejamento do Governo Federal para adquirir a vacina, esperança do povo para superar a pandemia, temos um problema grave na execução dos planos de vacinação: a furada de fila descarada e acintosa de alguns privilegiados. Dentre eles, há de se ressaltar, há alguns “patriotas” que não proferem dez vocábulos sem citar “china, comunismo, cloroquina, Bolsonaro, corrupção e PT”
A furada de fila durante a execução dos planos de vacinação revela o problema crônico do país: o mau-caratismo que degenera, apodrece e paralisa a sociedade e subtrai a esperança de dias melhores. Furar a fila se assemelha a negar a ciência, a resistir contra as medidas restritivas de combate à pandemia, a enxovalhar a Constituição, a produzir provas ilícitas contra acusados, a acusar sem provas, a rachar o salário de assessores, a vender os bens do país por preços irrisórios, a transigir com a tortura, a fazer do país um espaço de loucos sem qualquer direção. Lamentavelmente, a vacina revela a realidade da desesperança. Pobre de nós!
Vicente Cruz
Presidente do Conselho de Administração, advogado sênior e Estrategista Chefe do IDAM (Instituto de Direito e Advocacia da Amazônia)
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