Sidarta (Buda) ao caminhar pelas margens do rio Nairanjana avistou uma figueira. Afastou-se das margens do rio e deixou-se acolher pela frondosa árvore onde alcançaria a iluminação e vivenciaria ou praticaria os conhecimentos do Budismo dando o testemunho do “Caminho do Meio” como via natural para o ser humano trilhar em harmonia – a saudável comunhão do espírito com a matéria para criar uma situação de equilíbrio.
Guimarães Rosa navegou ou embarcou seu personagem na terceira margem do rio, que não era nem a margem direita nem a margem esquerda, era o meio do rio. E de tal forma no meio líquido o fixou que o narrador inconformado (Talvez ?) desabafa: “ Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só́ executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio (…)”.
Em ambas as histórias, na do Buda e na do personagem do conto “A Terceira Margem do Rio”, há algo de transcendental. Há a passagem de uma condição para outra que realmente fora transformadora, pois não coabita na travessia de ambos o retorno à condição anterior, somente um novo estado ser se apresenta como viável. E tal estado se apresenta como libertador no caso de Sidarta, não apenas para si, mas para toda a humanidade. No caso do personagem do conto são possíveis várias leituras.
Mas o que me levou a refletir sobre essas leituras? As margens dos rios em que transitam os brasileiros. Digo isso no sentido físico, objetivo, prático – o desrespeito para com as margens dos cursos pluviais e outros quintais – o Sul do Brasil está tomado pelas águas que alucinadas transbordaram dos rios, transformando a região em terra arrasada.
E observo isso em relação à postura de pessoas (e são muitas) que se manifestam com total desrespeito às concepções que visam o diálogo, a união em torno do bem comum, embora existam diferenças, sendo que estas deveriam ser bem-vindas. O desrespeito à solidariedade, ao bom senso, ao equilíbrio. Em vez disso, ficam grudadas, submergindo, em margens opostas, enquanto negam o aperto de mão ou, como diriam no Sul, uma cuia de chimarrão.
Fico imaginando se ainda seria possível ou quando será possível que neste nosso amado país se descubra que a transcendência de uma situação, no nosso caso com dores inúmeras, para outra só acontece longe das margens opostas, as quais ou nunca se encontram (paralelas) ou se comprimem, sufocam.
Não vou desesperançar, prefiro ficar com o lirismo dos Titãs: “ O acaso vai me proteger” ( Epitáfio, 2001).