Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece; o primeiro dia de aula, o primeiro beijo, a primeira namorada, a primeira aula na faculdade, coisas que realmente não esquecemos. Não seria diferente naquela tarde de quinta-feira, uma tarde chuvosa, a qual eu esperava ansiosamente pela minha primeira aula naquela turma de sétimo ano. Era visível na turma, que eles também esperavam por aquela aula que, para eles, seria tão especial, pois a professor anterior não poderia mais acompanhar a turma, e agora eu iria assumir o restante do ano letivo com eles na disciplina de língua portuguesa. Claro que não seria a minha primeira vez como professor, pois já estou nesse caminho há 30 anos, mas seria a primeira aula com aqueles jovens alunos, os quais me pareciam estarem ávidos para aquela aula.
Ao chegar na escola, já perto do intervalo, uma aluna me indagou:
— Hoje é a sua aula com a gente, é a primeira aula, não é? Agora vai ser uma aula de verdade.
Ela né disse isso, porque semanas anteriores, eu tinha dado uma aula de revisão para eles e fiz uma aula divertida fazendo com que os alunos gostassem da aula e que gostassem, também, da disciplina língua portuguesa, que, para muitos, é um momento no qual se aprende regras e, na vida, geralmente as regras não são bem-vindas.
Regras parecem com um mandamento a ser seguido, com uma ordem advinda de um ditador, a qual precisa ser cumprida.
Vamos entender que, na verdade, regras é aquela tia chata que ninguém gosta de receber em sua casa, porque chega dizendo que tudo está errado, que precisa consertar isso e aquilo, pois há um modelo a seguir. Aquela tia chata que quando você acha que está fazendo o certo e que tudo está bem, ela diz que não, pois tem que ser do jeito dela. Contudo, eu tinha o dever e a oportunidade de mostrar para eles que ensinar ou aprender a língua portuguesa não é sinônimo de aprender regras somente, é aprender sobre a língua que usamos para nos comunicar, a língua que usamos para estar em sociedade.
Eu percebi que os alunos estavam ansiosos, pois eles já estavam na porta da sala de aula me esperando. Eram jovens crianças de 12 e, no máximo, 14 anos que estavam ali pela sua primeira aula com o novo professor. Era perceptivo que tantos alunos e o professor estavam ansiosos, assim como os coordenadores, para ver se o professor iria dar aula de forma que agradasse aquela turma, que apesar de ser jovem, são também exigentes. Alunos que já não se importavam mais com intervalo, eles queriam que passasse o intervalo para ter aqueles três últimos horários, a aula do tio novo de língua portuguesa.
Enfim começou a aula.
— Boa tarde a todos vocês! — disse eu com um sorriso estampado no rosto.
— Boa tarde professor, está tudo bem?
— Hoje vocês terão uma aula diferente. Nós vamos aprender um pouco sobre a língua portuguesa pelo caminho da literatura.
Todos olharam admirados e todos olharam meio surpresos, pois eles esperavam que aquela tia chata, que chamamos de regras, aparecesse naquele momento para dizer que a forma que eles falavam era errada, para dizer que eles deveriam falar daquela maneira X ou daquela maneira Y, mas não foi assim que aconteceu.
— Alguém sabe o que é poema?
— Sim, eu sei professor.
— O poema é poesia, aquela coisa romântica que muitos homens usam para conquistar as mulheres ou que os casais usam no Dia dos Namorados, nos momentos românticos — respondeu uma aluna sorridentemente.
— Bem, talvez não seja muito bem esse o conceito, mas também vocês podem pensar dessa forma. Contudo, poema é uma coisa e poesia é outra. A poesia está dentro do poema, porém eu vou explicar um pouco sobre essa diferença e depois vamos falar de poema.
Então, eu peguei a minha caneta e pedi silêncio à turma e escrevi no quadro: “Poema e Poesia” e, logo em seguida, expliquei-lhes a diferença e, depois, escrevi um poema com o título “Você e Eu”, poema este que fiz para minha esposa e a primeira estrofe é:
Onde fores noite, serei estrela
Onde flores céu, serei luar
Onde fores rosa, serei pétala
Onde flores terra, serei mar.
E assim, expliquei-lhes o que é verso e o que é estrofe e depois continuei a escrever o resto do poema cuja estrofe final é:
Onde fores vida, serei amor
Onde fores do sol, serei água
Onde fores chão, serei flor
Onde fores fogo, serei brasa.
Alguns alunos olharam e disseram:
— Esse poema é lindo, especialmente a poesia contida nele.
Quando eu ouvi isso, fiquei muito contente, pois eles entenderam que a poesia existe dentro do poema e que a poesia existe dentro da arte como um todo.
Assim, eu fiz um desafio para eles. Chamei dois alunos e os desafiei a declamar aquele poema, uma vez que eu tinha explicado a diferença entre ler e declamar. Os alunos, meio envergonhados, aceitaram o desafio, ensaiaram um pouquinho e cada um leu uma estrofe, visto que se tratava de um poema que continha quatro estrofes de quatro versos cada. Eles declamaram muito bem e no final, receberam seus devidos aplausos. Porém, algo interessante aconteceu, um aluno que parecia estar tímido e quieto, se ofereceu para ler um outro poema chamado de Coexistência:
Poesia é doçura
Poema é carinho
Uma é a cura
O outro, o caminho.
Esse aluno foi bem aplaudido pela turma, pois leu muito bem. Parecia que todos ali estavam enfeitiçados pela poesia. Eu usei o poema para falar sobre sujeito e predicado, sobre algumas figuras de linguagem, como metáfora e antítese. Os alunos ficaram felizes por participaram da aula e aí receberam o desafio de cada um fazer o seu próprio poema e trazer na aula seguinte, todos aceitaram.
Eu acredito que ali, naquela turma, possa surgir um poeta ou uma poetisa ou vários poetas e várias poetisas. Aquele momento foi um grande poema permeado de poesia, a arte buscando seus novos artistas seus novos criadores.
As três aulas passaram de forma que nem eles mesmos perceberam, passaram rápidas que não deu tempo de a tia chata entrar na sala, porque ali, eles estavam livres, sem regras, sem um comando a seguir, sem algo que determinasse as suas ações, pois a arte é liberta e liberta. Ela é livre, e a língua é uma arte e é algo vivo e, por ser viva, é como um rio sinuoso que vai no seu curso de forma livre, até chegar ao mar. E, assim, decorreu-se a aula da qual a tia chata ficou de fora, pois não havia lugar para ela.