Nos primórdios da Revolução Francesa, imensos eram os gastos públicos e o governo francês poderia ter evitado a onda revolucionária, se tivesse agido a tempo e controlado as despesas. A situação foi se agravando até que tudo erodiu e o mundo nunca mais foi o mesmo, embora as pessoas – povo e governantes – continuem a agir mais ou menos da mesma forma.
Na época, criaram-se os cadernos de reclamação, onde o povo poderia anotar as suas queixas. O povo escrevia, sem medo, o que lhe incomodava e essa liberdade plena marcou o período, assim como a liberdade de expressão nos jornais e folhetos que circulavam. Logo a própria Revolução enterraria essa liberdade e a guilhotina e os linchamentos ceifariam milhares de vidas, lutando contra os que achavam que ela estava exagerando – e implantou o Regime do Terror.
Aqui merece ser feita uma observação sobre regimes atuais. Embora, por motivos diferentes e com distinta fórmula política, no Comunismo, Socialismo e Absolutismo apenas uma casta governa e usufrui da riqueza nacional, privando o povo de liberdade e de propriedades e confinando-o num mundo do qual não consegue sair e ascender socialmente. As pessoas são coisificadas e transformadas numa massa mais fácil de ser controlada e a servir ao topo da pirâmide – com cada um seguindo anônimo em meio à multidão. Aliás, é bom que se diga que essa fórmula de igualdade teria agradado ao Cardeal Richelieu, Primeiro Ministro do rei de França, por facilitar o controle do povo e o exercício do Poder.
O povo não foi à Bastilha derrubar o presídio e soltar os poucos presos que ali estavam; foi em busca das armas, muitas, ali existentes, para armar as milícias revolucionárias. Também havia dobrado o número de operários em Paris, antes do início da Revolução, que implantou a chamada “carne de canhão”, com o serviço militar obrigatório para o povo – algo que nem mesmo generais dos antigos reis teriam ousado usar nas guerras, pois, antes da Revolução, eram as famílias mais nobres que baseavam os serviços militares dos reis. Logo a Prússia e outras nações também implantariam o serviço militar obrigatório para o povo, o que levou a Alemanha a usar a doutrina da guerra total na 1ª Guerra Mundial.
O povo… sempre paga a conta. A comida estava muito cara na França, por conta de colheitas ruins. Havia fome e carestia, que assombravam o povo, que formava a grande maioria da população, com cerca de 22 milhões de pessoas – livres.
O povo não tinha destaque nos exércitos e nos governos. Todos os ministros do rei Luís XVI eram nobres, menos o que cuidava das finanças, Necker, que fez o rei entender a gravidade da crise econômica e decidir reunir o reino em busca de solução para os elevados gastos – assim, vinculando a todos. No momento, era a vitória da nobreza, contra o rei fraco. Em desdobramento, Assembleia constituinte se formou e, soberana, proclamou a liberdade, a igualdade, a fraternidade e o fim do Antigo Regime feudal. Caia o poder do rei que, ainda assim, não quis assinar o documento. A Assembleia se impôs e suspendeu o rei e criou a França republicana. O rei passou a ser refém e terminou guilhotinado. Fato é que a nobreza não imaginava que cometia erro tão grande contra a sua própria cômoda existência, pois começou algo que saiu do seu controle, quando foi encampado pelo povão, que transformou o movimento “de gabinete” em revolução.
Após essas breves linhas de recordação e consideração do ocorrido, precisamos focar no que significava estar sem dinheiro o cofre do Tesouro francês, sangrado por desperdício e gastos elevados com guerras. Era necessário encontrar dinheiro para pagar as despesas públicas, que não paravam de crescer, fixando o historiador francês Georges Lefebvre que o rei Luís XVI poderia ter feito economias e ajustado as finanças.
É muito difícil convencer as pessoas que não querem sair da zona de conforto e que só enxergam os seus próprios interesses e mundinhos controlados. Quando o medo de acertar é tão grande quanto o de errar, é melhor deixar como está para ver como fica. Foi assim que, então, o governo tentou obter um consenso do reino, no caso, dos nobres e dos representantes das cidades, na forma de uma concordância dos seus atos e pretensões, como se fosse um cheque em branco. Consenso que, em certos casos, como naquele, motiva-se pelas razões erradas, querendo repartir responsabilidades e, de todos, obter mais dinheiro para cobrir os rombos nas contas públicas. Mais dinheiro, de quem muito já paga e pouco obtém dos governos.
No nosso caso – atenção – já se fala que em 2027 deve ocorrer o colapso nas contas públicas!
Colapso é ruína, é o fim, o desmoronamento… Se for assim, não sobrará pedra sobre pedra. Por si só, isso já seria grave. Colapso assim, como visto, balançou os alicerces da França e levou à Revolução Francesa.
Aqui, a gravidade do descontrole das contas públicas se agrava potencialmente, pelo previsível impacto social que causará, diante da grande dependência de pessoas e famílias dos programas assistenciais, como o Bolsa Família. Imaginemos o que causará no seio das famílias dependentes, quando se fala que são cerca de 20 milhões de pessoas – curiosamente, um número próximo ao de 22 milhões que constituía o povão, na França pré-revolucionária.
No lugar de fomentar melhorias na força de trabalho da Nação e incentivar as pessoas a estudar, trabalhar e ser independentes financeiramente, criamos um grande grupo de dependentes dos recursos públicos. Andamos na contramão até do que parece ter feito a China que, mesmo sob regime político de natureza comunista, fortaleceu a sua economia com mais trabalho qualificado – capitalista.
Tal qual passarinho que construiu a própria gaiola, estamos presos a essa realidade e não há movimento solucionador que não venha a criar traumas… pois manter o contexto custará mais caro, se for possível ser mantido… e não se pode soltar, repentinamente, passarinho que não sabe voar, pois suas asas são fracas…
Em resumo, se o governo atual se reeleger, terá de fazer mágica para sobreviver ao caos crescente nas contas públicas; se o governo for sucedido por outro, deixará herança odiosa. Independentemente do gestor, os fatos falarão por si e a verdade será cobrada, do gestor de plantão, que será, em 2027, o acusado como culpado pelo estouro da bolha… A cobrança não será sistêmica, contra os erros e acertos das gestões dos últimos anos… Isso deve ser dito e fixado, porquanto há previsão de que a nossa dívida bruta atingirá 99,4% do PIB, no ano de 2030!
Não é preciso ser mago em números para se entender que a solução doerá. O remédio será amargo, o tratamento será traumatizante e não imagino como sairão dessa UTI o país, o povo e os governantes. Enquanto isso, discutem-se assuntos que parecem ser mais importantes, como a cor da camisa secundária da seleção e como se cobrirá o rombo de 6 bilhões e trezentos milhões no INSS – nada disso importará, tanto, quando o impacto de 2027 chegar e, logo após, como bola de neve, for superado pelo de 2030! A cortina de fumaça, que nos ilude e distrai, se dissipará, permitindo que a verdade, verdadeira, nua e crua, se apresente e nos faça ter “choro e ranger de dentes”.
GASTOS DESCONTROLADOS
