Em um país onde a confiança nas instituições já balança como uma corda bamba, a Operação Sem Desconto da Polícia Federal, deflagrada na quarta-feira, 23 abril de 2025, escancarou o que pode ser o maior esquema de corrupção da história do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com descontos indevidos que sangraram R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões entre 2019 e 2024, a fraude envolveu sindicatos, associações e, no centro do furacão, o Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), cujo vice-presidente é José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A revelação, além de expor a vulnerabilidade dos mais pobres, lança uma sombra densa sobre o governo petista e acende o pavio para uma crise política que pode definir as eleições de 2026.
Um golpe contra os mais frágeis
O esquema, descoberto pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), operava com uma simplicidade cruel. Sindicatos e associações, por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS, descontavam mensalidades diretamente dos benefícios de aposentados e pensionistas, muitas vezes sem qualquer autorização. A CGU revelou que 97,6% dos beneficiários entrevistados em 2024 não haviam consentido com os descontos, e 96% sequer participavam das entidades que os cobravam. Em muitos casos, documentos foram falsificados, e aposentados foram induzidos a acreditar que as contribuições eram obrigatórias ou vinculadas a serviços como crédito consignado.
O Sindnapi, dirigido por Frei Chico, é um dos protagonistas do escândalo. Entre 2019 e 2024, a entidade viu sua arrecadação disparar de R$ 17,8 milhões para R$ 90,5 milhões, um salto de 414%. Em 2024, os repasses ao sindicato atingiram cifras ainda mais astronômicas, com estimativas apontando até R$ 155 milhões anuais. A PF considera o aumento nos pedidos de exclusão de associados – 20 mil apenas em janeiro de 2024 – como indício de que milhares foram filiados sem consentimento. A entidade, que se defende alegando oferecer serviços como assessoria jurídica e descontos em medicamentos, foi descredenciada judicialmente, mas insiste em sua idoneidade.
O impacto humano é devastador. Imagine um aposentado que, após décadas de trabalho, vê seu benefício de R$ 1.500 reduzido por descontos de R$ 50 ou R$ 70 mensais, sem saber por quê. Multiplique isso por milhões de vítimas, e o que emerge é um roubo sistemático contra os mais vulneráveis, perpetrado sob o nariz de um governo que se diz defensor dos pobres. A média de R$ 39,74 descontada por beneficiário entre 2023 e 2024 pode parecer pequena, mas, para quem vive no limite, é a diferença entre comprar remédios ou passar fome.
Uma crise política em formação
O escândalo não é apenas financeiro; é um terremoto político. A proximidade de Frei Chico com o presidente Lula alimenta narrativas de favorecimento e negligência. Embora o irmão do presidente não seja alvo direto da operação, sua posição de destaque no Sindnapi e o crescimento exponencial da entidade sob o governo petista levantam suspeitas. Parlamentares de oposição, como Luciano Zucco (PL-RS) e Carlos Portinho (PL-RJ), já classificam o caso como “uma vergonha” e acusam o governo de “roubar os mais pobres”. O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi além, questionando se a PF estaria prevaricando ao não incluir o Sindnapi nas investigações mais profundas.
O governo Lula, por sua vez, tenta se desvencilhar da pecha de corrupção. Autoridades petistas argumentam que o esquema começou no governo Bolsonaro, já que a maioria dos ACTs foi firmada antes de 2023. A CGU e a PF reforçam que apenas no atual governo a fraude foi investigada e contida, com a suspensão de todos os descontos associativos e a promessa de ressarcimento aos aposentados. No entanto, a narrativa governista esbarra em números incômodos: 60% dos R$ 6,3 bilhões foram descontados nos dois últimos anos, já sob Lula, quando as contribuições associativas explodiram. Além disso, a demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e o afastamento de outros cinco servidores, todos ligados ao ministro Carlos Lupi (PDT), sugerem falhas graves na gestão.
A oposição já coleta assinaturas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e o temor no Planalto é que o escândalo reavive a associação entre o PT e a corrupção, um estigma que custou caro nas eleições passadas. Para um governo que prometeu “voltar a ser feliz”, o caso do INSS é um lembrete amargo de que velhos fantasmas – mensalão, petrolão – ainda rondam o petismo.
O impacto nas eleições de 2026
Com as eleições de 2026 no horizonte, o escândalo do INSS pode ser o golpe de misericórdia em um governo que já enfrenta desgaste econômico e críticas à sua condução. A base eleitoral de Lula, composta em grande parte por aposentados e trabalhadores de baixa renda, é diretamente afetada pela fraude. A desconfiança gerada pelo caso pode erodir o capital político do PT, especialmente em um cenário de polarização, onde a direita, liderada por figuras como Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, capitaliza a narrativa anticorrupção.
A operação também expõe a fragilidade do sistema previdenciário brasileiro, que, além de lidar com filas e atrasos, agora enfrenta o ônus de um esquema que sobrecarregou o atendimento com milhares de reclamações. Para a oposição, é uma oportunidade de ouro para pintar o governo como ineficiente e conivente. Postagens em redes sociais, como as do deputado Rubinho Nunes (União Brasil-SP), já rotulam o caso como “mais um escândalo bilionário com selo PT de corrupção”.
Por outro lado, o governo pode tentar transformar a crise em trunfo, acelerando o ressarcimento aos aposentados e reforçando controles no INSS. A criação de uma força-tarefa para devolver os valores desviados, anunciada em abril de 2025, é um passo nessa direção. Mas, sem uma comunicação eficaz e resultados concretos, o esforço pode ser engolido pela avalanche de críticas.
Os números da monumental fraude
Uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU), revelou que uma das entidades implicadas no rombo bilionário do INSS conseguiu vincular 1.569 novos filiados a cada hora. Segundo esse mesmo levantamento, a Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Nação (Abapen) chegou a cadastrar impressionantes 12.554 beneficiários em apenas um dia.
O documento aponta ainda outras nove organizações — entre associações e sindicatos — onde se constatou volume expressivo de descontos não autorizados. A título de comparação, o ritmo de adesões por hora variou entre 778 e 1.569 novos associados.
Para chegar a esses índices, a CGU considerou uma jornada média de trabalho de oito horas por dia durante 20 dias úteis mensais. Eis os principais números levantados:
1-Abapen: 1.569 adesões/hora
2-Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS (CAAP): 1.351 adesões/hora
3-Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA): 1.174 adesões/hora
4-Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP): 1.019 adesões/hora
5-Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap): 901 adesões/hora
6-Master Prev (Clube de Benefícios): 879 adesões/hora
7-Abrasprev (Contribuintes do Regime Geral da Previdência Social): 869 adesões/hora
8-Anddap (Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas): 849 adesões/hora
9-Ambec (Mutualistas para Benefícios Coletivos): 846 adesões/hora
10-AAPB (Aposentados e Pensionistas Brasileiros): 778 adesões/hora
A CGU destaca ainda que houve registros de descontos em benefícios de aposentados e pensionistas em todas as 27 unidades federativas. Curiosamente, em seis das dez instituições, o maior volume de filiações ocorreu em estados diferentes daquele onde a sede está instalada.
Outra falha grave detectada diz respeito à documentação das entidades: a maioria não apresentou comprovantes ou provas de capacidade operacional compatível com o número de associados que alegavam ter, seja no momento de firmar os Acordos de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS, seja em resposta às buscas da CGU.
O relatório também critica a ausência de perícia técnica por parte do INSS para verificar a autenticidade dos documentos apresentados pelas associações. Em vez de conferir checagens mais rigorosas — como validação de registros de sistemas ou logs digitais — o instituto se apoiou apenas na “boa-fé” e na presunção de legitimidade das assinaturas eletrônicas.
Em nota, o INSS informou que suspendeu todos os ACTs firmados com as organizações investigadas e que os valores descontados indevidamente serão ressarcidos aos beneficiários.
O escândalo do INSS é mais do que uma história de corrupção; é um alerta sobre a fragilidade das instituições e a facilidade com que interesses espúrios podem se infiltrar nelas. Enquanto o governo e a oposição travam uma guerra de narrativas, os verdadeiros prejudicados – os aposentados – aguardam justiça. A Operação Sem Desconto, ao menos, trouxe esperança de que o esquema seja desmantelado, mas o caminho para a reparação é longo e incerto.
Às vésperas de 2026, o Brasil enfrenta uma escolha: aceitar a perpetuação de velhas práticas ou exigir uma política que coloque os cidadãos acima dos conchavos. O roubo bilionário no INSS não é apenas um crime contra os aposentados; é um ataque à confiança de uma nação. Cabe aos brasileiros, com o poder do voto, decidir se o crepúsculo do lulismo será o fim de uma era ou o início de outra igualmente sombria. A vigilância nunca foi tão necessária.