Eu visito museus com frequência. Não só por pesquisar, gostar, ser realmente importante saber o que está acontecendo no mundo das artes e da cultura em geral, por conta do meu trabalho e campo de estudo, mas porque eu gosto e me sinto bem quando estou nesse movimento de me informar sobre o mundo e sobre o outro através do que os museus podem nos contar.
Falo “museus” no geral, porque não me refiro apenas aos museus de arte. Acredito na força educacional, informacional e transformadora de todos os gêneros, seja de arte, de história natural, históricos, de ciência e por aí vai…
Desde jovem, sempre frequentei, quando possível, ballets, óperas, shows, teatros, cinema… Meus pais, com muito esforço, sempre me instigaram a criar interesse por esses universos tão complexos. Entendo que isso é um grande privilégio, visto que ter acesso a essas coisas está cada vez mais difícil.
Muito se discute sobre as pessoas não terem interesse em cultura. Me pergunto, nessas horas, qual o conceito de cultura para quem escreve, pensa e fala algo assim. Na verdade, é muito fácil criticar a cultura periférica, por exemplo, quando se está rodeado de gente tocando violino e bebendo champanhe importado. Acreditar que a arte que importa é a erudita e que a música da Anitta é ruim porque ela canta funk e rebola no palco, não faz sentido.
A noção da existência da cultura erudita cria uma hierarquia das culturas, onde essa estaria acima das outras (de massa e popular, por exemplo) e provoca um distanciamento delas de instituições que são entendidas como equivalentes à primeira. Porém, essa ideia, ao contrário do que muitos podem pensar, não é uma construção das elites contemporâneas e, sim, algo que vem desde os antigos regimes europeus para distanciar as pessoas e distinguir as suas classes sociais, os seus níveis culturais, o poder de compra e os níveis de entendimento sobre arte e cultura. Acontece que, nesse contexto, nenhuma manifestação cultural é maior do que outra.
Essa questão sobre o interesse em cultura, a presença da população de massa em museus e etc, abre espaço para que possamos discutir sobre o preço das entradas, o dia de acesso gratuito, a possibilidade de interação com as obras dos museus e instituições… A quem interessa que a massa não acesse ou frequente lugares dedicados à cultura?
No Brasil, a média salarial em 2024 foi de 3.225 reais, segundo pesquisa do IBGE, noticiado pelo G1 em fevereiro deste ano. A gente sabe que está caro viver. Comida, casa, luz, água, internet, conta de telefone, financiamento disso e daquilo, aquele empréstimo do banco… Porém, eu acredito que não pode estar caro sentir o prazer de estar vivo e, muitas vezes, o que nos dá esse prazer, além daquele churrasco em boa companhia com os amigos em um domingo, é o contato com a cultura -através de museus, shows, centros culturais, teatros, etc.
No início do mês, por exemplo, aconteceu o show gratuito da Lady Gaga na praia de Copacabana e mais de 2 milhões de pessoas estavam presentes. Isso mostra pra gente o quanto o povo adere ao que é possível.
O evento aconteceu de forma gratuita na praia, que é um dos lugares mais democráticos que existe, gera acessibilidade para um público que não poderia curtir um show em estádio, devido às barreiras econômicas. Além disso, esse acontecimento, com a presença de um número tão grande de gente, mostra uma demanda de experiências culturais reprimidas, além de comprovar o fato de que a cultura deve ser um direito universal, não algo restrito àqueles que podem pagar.
Uma pesquisa da The Art Newspaper, que rolou em 2014 sobre os museus de arte mais visitados do mundo, colocou o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB-RJ) em 21º lugar. A entrada dele é gratuita.
A cultura vai além disso. É sobre tempo de lazer, também… Me lembrei que há uns anos, quando o zoológico do Rio passou a se chamar BioParque, fui com o meu pai conhecer, para saber se as mudanças realmente tinham sido benéficas para os animais, se as coisas realmente estavam melhores. Lembro de ficar indignada com o quanto gastamos. Não me lembro exatamente, mas uma meia-entrada e uma inteira, mais duas águas e o estacionamento já dava uns 200 reais. Fui de lá até a minha casa pensando em como é caro uma simples ida ao zoológico e, claro, inacessível para grande parte das famílias.
“Ainda estou aqui” concorria ao Oscar, o Brasil inteiro torcendo por Fernanda Torres, me pergunto: quem conseguiu assistir no cinema? No Rio, um ingresso custa, em média, 40 reais. A meia-entrada, portanto, custa em torno de 20 reais. Um combo de pipoca com refrigerante no Cinemark, segundo o site (no dia 15/05/2025), custa 46 reais. Uma família de 3 ou 4 pessoas que ganha a média salarial citada acima, consegue curtir de boa uma tarde no cinema?
Niterói, a minha cidade, exibiu o filme num telão de forma gratuita, na Reserva Cultural, entre os dias 27 de março e 02 de abril, incluindo dias no final de semana. Isso não só reforça o papel que a cidade tem dentro do cenário do audiovisual, mas também na promoção da sua acessibilidade, especialmente nesse contexto onde o filme em questão é tão comentado e importante para o cenário brasileiro.
A discussão sobre democratização da cultura é longa, não cabe em uma publicação como essa, mas queria chamar atenção para o fato de que talvez as pessoas realmente tenham interesse e curiosidade, só não estejam frequentando alguns lugares devido aos altos preços.
Nos anos 70, o crítico e curador Frederico de Morais organizou edições dos Domingos de Criação, no MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Olhar para isso nos dias de hoje é importante para se pensar sobre liberdade, criatividade e construção coletiva e no museu enquanto lugar de encontro disso tudo. O museu, na época, virou laboratório, espaço de troca e experiência, com imensa potência experimental. Frederico mostrava para a população que visitar museus pode ser sobre outras coisas, que vão além da mera observação.
Hoje, o necessário é que os projetos de acessibilidade estejam cada vez acontecendo mais, em vigência. O papel do Estado, no âmbito da cultura, não é produzir, dizer o que ou como ela deve ser, mas pensar em formas de a tornar acessível par
Cultura (in)acessível
