O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é uma engrenagem discreta, porém poderosa, do sistema tributário brasileiro. Criado com a justificativa de regular o mercado financeiro, ele se tornou, ao longo das décadas, uma das ferramentas mais eficazes de intervenção do Estado nas decisões de consumo, investimento e crédito. No entanto, mais do que um instrumento técnico, o IOF revela seu verdadeiro rosto quando interpretado como uma pauta da elite econômica. Incidindo sobre operações de câmbio, crédito, seguros e títulos mobiliários, ele afeta diretamente os movimentos financeiros de maior escala — como remessas internacionais, especulação de capitais e grandes contratos —, ao mesmo tempo em que é manipulado, ora para conter a inflação, ora para proteger o real, sempre com foco nos interesses do grande capital.
A seletividade com que o IOF é manejado pelo governo federal indica que sua função real vai além da arrecadação. Quando os detentores de riqueza demandam estabilidade cambial ou estímulo à entrada de capitais externos, o IOF se torna um instrumento de barganha política e econômica. Em 2023, por exemplo, o governo zerou o IOF sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e variável — um gesto que agradou o mercado, mas gerou críticas entre especialistas em justiça fiscal. Como destaca a economista Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, “o IOF é um dos tributos que escancaram a lógica de um sistema que tributa mais quem menos tem e protege o topo da pirâmide.” De fato, enquanto a população é sobrecarregada por tributos sobre consumo e serviços, o IOF serve como um gatilho tecnocrático para atender agendas que raramente chegam às urnas.
A elite financeira, representada por bancos, multinacionais e fundos de investimento, vê no IOF uma ferramenta de previsibilidade e controle. Não à toa, há forte lobby no Congresso para sua modulação conforme o humor do mercado internacional. O Banco Central, embora formalmente autônomo, também opera nesse jogo ao sugerir alterações na alíquota como forma de ajuste fino na política monetária. Como assinala o jurista e tributarista Ives Gandra da Silva Martins, “o IOF é uma espécie de ‘imposto de emergência’ perene, usado com parcimônia quando o Estado quer agradar ou punir comportamentos no mercado”. Essa plasticidade o torna especialmente útil para governos que precisam sinalizar compromisso com ortodoxia fiscal sem mexer em estruturas mais visíveis, como o Imposto de Renda ou a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Por fim, é preciso entender que o IOF, sendo um tributo regulatório e não arrecadatório por excelência, opera no silêncio das decisões ministeriais e nos bastidores do sistema financeiro. Sua discussão quase nunca aparece nos debates eleitorais ou nas manifestações populares. Trata-se de uma pauta tecnocrática, dominada por especialistas e burocratas, mas cuja essência é profundamente política. A invisibilidade desse imposto favorece sua instrumentalização pela elite econômica, que molda suas regras conforme os interesses do capital transnacional. Em tempos de rediscussão do pacto federativo e da reforma tributária, revisitar o papel do IOF é urgente. Afinal, num país onde a desigualdade é estrutural, manter tributos invisíveis que operam a serviço de poucos é perpetuar um modelo excludente sob o verniz da neutralidade técnica.
IOF: A Pauta da Elite
