Oficialmente a 2ª Guerra Mundial começou em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Em verdade, tudo se iniciou bem antes, com manobras que alguns não perceberam e que outros se esforçaram para não ver – como sempre ocorre, em qualquer lugar, governo e tempo.
Após quase um século e tantos acontecimentos e avanços tecnológicos, algo está a ocorrer e é curioso que, novamente, a Alemanha esteja passando por dificuldades e os olhos do mundo estejam se voltando para ela, para captar a essência dos movimentos que alavancam a política de rearmamento.
Também chama a atenção o fato de que o Brasil pareça estar alheio a tudo isso, inclusive com grande corte no orçamento da Marinha, neste ano, reduzido à cerca de metade do que era em 2015. Não podemos achar que estamos imunes à interesses de conquista de outros países e povos ou que não temos o que lhes desperte a cobiça, como as nossas grandes fontes de água doce, as florestas e matas, o bom clima e as áreas imensas destinadas à produção de alimento, além da fartura de minerais, petróleo e gás.
Alguns diriam que nada nos atingiria e que os últimos conflitos não escalaram para dimensão mundial, sendo meramente regionais, como, dentre tantos, exemplificam as guerras no Vietnã, Camboja, Afeganistão, Iraque, Bósnia, Líbia, Rússia x Ucrânia ou Israel x Irã. Não ignoremos o fato de que foi por muita, muita sorte, além das hábeis intervenções políticas e diplomáticas, que muitos desses episódios não escalaram para a dimensão de grandes conflitos regionais ou globais. Não sejamos tolos em achar que essas guerras ou batalhas não tiveram intensa motivação por obtenção de fontes de energia e petróleo e gás, bem como do vigor estratégico em torno do controle das forças dominantes locais, nas chamadas guerras por procuração. Não achemos que estamos longe o bastante. Não nos iludamos, achando que somos legais e pacíficos e que tudo, aqui, é festa, cervejinha, samba e futebol.
É fato que a Europa ainda é fundamental para o mapa global da paz e da economia e política e isso não tem nada de eurocentrismo, até pelo fato de que nada mais é puramente local ou regional, no mundo inteiro, diante das novas tecnologias, inclusive militares, como os satélites, mísseis e armas nucleares, além da multiplicidade e complexidade do entrelaçamento político e econômico, no mundo moderno.
Está, de fato, tudo junto e misturado e os aliados de ontem podem ser distintos dos de hoje e, muito além disso, podem haver alguns tentáculos fazendo brindes sobre a mesa enquanto os outros puxam o tapete.
Assim, para quem quiser entender os riscos de conflitos mais abrangentes, a Europa ainda é o local para se olhar com atenção, até pelo fato de que a imensa Rússia tem a sua capital no continente europeu, possuindo ali raízes históricas e culturais, apesar de ser um país transcontinental e chegar o seu território até bem próximo dos Estados Unidos – já que o mundo é redondo – no estreito de Bering.
E a Rússia foi à guerra contra a Ucrânia porque, quando caiu a União Soviética, houve um acordo para que a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte não se estendesse até as suas fronteiras… Isso apenas exemplifica o quanto é relevante a Europa para o jogo global de poder. Aliás, considerando que a presidência da União Europeia é rotativa, estando, hoje, com a Dinamarca, Zelensky tenta negociar um modo ser a Ucrânia auxiliada pela presidência dinamarquesa.
Vimos que a Alemanha aumenta os seus investimentos em armas de guerra, mas não falamos em valores. Divulga-se a pretensão de se gastar 1 trilhão de euros (cerca de 6 trilhões e 200 milhões de reais) na próxima década. É muito dinheiro… Ao seu lado, também a França se rearma e alvitra estar na liderança. De novo, são a França e a Alemanha que parecem protagonistas dessa corrida. São os mesmos países que lutaram na Guerra Franco-Prussiana – que gerou a unificação alemã – e nos dois grandes conflitos, que deixaram de ser puramente europeus para se transformar nas globais 1ª Guerra Mundial e 2ª Guerra Mundial.
Com essa herança e diante do mundo moderno, podemos dizer que a economia global é pura política e que a política global é pura economia. O mundo só parece estar dividido entre Ocidente e Oriente, mas isso é mais uma referência do que uma realidade, pois tudo, absolutamente tudo, está interligado.
Noutro prisma, parece que só se fala em Rússia, China e EUA, como se a Europa não se constituísse na Comunidade Econômica Europeia, tendo (atenção) a Alemanha como o seu motor, por responder por cerca de 1/3 (um terço) da produção industrial do continente.
É essa Alemanha que se rearma… A mesma Alemanha que passa por crise significativa, com a sua industrializada região sul cogitando fechar fábricas… É a região de Baden-Württemberg, o estado alemão responsável pelas maiores exportações em 2023, onde trabalhadores pressionaram a Volkswagen, por ali cogitar fechar fábricas – algo que não ocorria há 80 anos. Além disso, ainda sofre com os reflexos da perda do barato gás russo – em decorrência da guerra na Ucrânia – e da saída do Reino Unido da União Europeia, no que se chamou de Brexit (junção das palavras British e exit).
O alto valor – cerca de 6 trilhões e 200 milhões de reais – que a Alemanha tende a gastar com o seu rearmamento significa o alavancar de recursos para se proteger – e à Europa continental – contra ameaças externas, algo decorrente da perda da proteção que os Estados Unidos lhe reservava, já que este se aproxima da Rússia.
Os Estados Unidos, hoje, têm sua própria luta interna e externa. Tenderá a crescer ou começará a erodir, como ocorreu com a Inglaterra, Roma, Egito?
No mesmo caldeirão, onde tudo acontece e a água já está se aquecendo, há Donald Trump, que se dedica ao reerguimento dos Estados Unidos, implantando as suas guerras tarifárias, mobilizando aviões militares para bombardear alvos no Irã e resistindo ao movimento do BRICS para substituir, como moeda, o dólar americano.
Embora seja novo o tabuleiro do jogo, a história registra que cada movimento do jogo atrai reação. Apesar de datar de 500 a.C, o Teorema de Tucídides nos impõe o seu vigor e atualidade, ao indicar que ninguém quer ficar para trás, perder poder ou ser substituído por outro, motivo pelo qual uma nação líder deve reagir quando se vê ameaçada por outras forças. É o que está a ocorrer.
Pouco antes da 2ª Guerra completar 100 anos, rearma-se a Europa.
