David venceu Golias, com a funda, um tipo de estilingue que, aos olhos contemporâneos, parece surreal como arma de guerra. Quando não havia metralhadoras, tanques, aviões e drones, os exércitos partiam para a luta corpo a corpo, basicamente usando lanças, espadas e fundas. Primeiro as lanças, depois as espadas. Também se usava azeite fervente em certas situações, virando-se caldeirões sobre os que tentavam escalar muralhas e cercas (na época, o azeite não devia custar tão caro quanto hoje).
Quando os inimigos estavam distantes, usava-se arco e flecha ou se arremessava pedras e bolas de metal ou barro, usando as mãos e as fundas. Normalmente os guerreiros que usavam as fundas ficavam atrás dos que iam com espadas e lanças e, mesmo de longe, arremessavam contra os inimigos. Essa técnica de luta à distância permitiu, portanto, que David pudesse enfrentar Golias, já que não teria chances de vitória no combate corpo a corpo com o adversário mais poderoso.
Como se querer enfrentar os poderosos exércitos dos EUA? Defender a nossa soberania não corresponde a colocá-la em risco e fora da zona de influência de tradicional parceiro. Sob outra cultura e dos seus assentos tão poderosos, os EUA devem ter sentido que tripudiavam, quando se cogitou oferecer jabuticabas ao Trump. Deve ter soado lá como gracejo inoportuno, que não combina com o momento ou o contexto. Quer melhor refletir a respeito? Então imagine o que muitos diriam se o ex-presidente tivesse dito que ofereceria jabuticabas ao Trump, em meio a esta imensa crise política – com reflexos econômicos – em que estamos envolvidos, inicialmente com os EUA e, agora, com a OTAN – Organização para o Tratado do Atlântico Norte?
Se os EUA nos ameaçaram com tarifas de 50% e isso já era grave, agora a OTAN (formada por três dezenas de países, dentre os quais Alemanha, Reino Unido, EUA, França e Dinamarca) cogita nos impor tarifas de 100%, por compra de petróleo da Rússia (CBN, Redação, 15.7.2025). É que essas compras alimentam com dinheiro a Rússia e, portanto, as suas condições de manter a sua máquina de guerra contra a Ucrânia.
Ora, nas guerras, um dos instrumentos é o corte de fornecimento de bens, alimentos e recursos financeiros… Em verdade, a coisa é um pouco mais dura, na medida em que se diz que “Líder da Otan confirma ameaça sobre Brasil se Rússia não aceitar a paz” (Metrópoles, assina Junio Silva, 15.7.2025). É algo na linha do “se não está comigo, está contra mim” e, de fato, os blocos estão mais se definindo no tabuleiro global e eventuais nuvens de fumaça estão se dissipando. Com isso, se não estamos ao lado do bloco ocidental – como sempre estivemos – então somos membros do outro lado, com o qual temos nos afinado, nos últimos anos, fomentado pelo Brics, presidido por Dilma, que é integrado por Rússia, China, Irã e outros.
Esse é o mesmo bloco que quer substituir o dólar como base do sistema financeiro – aliás, a Rússia, por fala do seu Ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, já parece ter tirado o corpo fora disso, ao dizer que a medida foi ideia do Brasil (Poder360, 12.7.2025).
Em resumo, se não estamos no time da Europa e dos EUA, então estamos com os outros, o que significaria dizer que o Brasil, na prática, está adversário da Ucrânia e de Israel, da Europa e dos EUA, já que apoia o Irã contra Israel e a Rússia contra Ucrânia e privilegia parcerias com países do Brics em face dos tradicionais parceiros ocidentais. Esse rearranjo político não foi despercebido e já está sendo desgastante para nós, antes mesmo do início da vigência dessas anunciadas medidas tarifárias dos EUA e da OTAN. Exemplo? A concessão de férias coletivas, por 30 dias, a 700 funcionários, por empresa do Paraná (Exame, 16.7.2025, assina Layane Serrano)
Noutro foco, a carta de Trump revelou menos do que parece e somente os inocentes poderiam mesmo achar que ela dizia tudo o que estaria em jogo. Já imaginaram os Aliados declararem ao mundo tudo o que fariam contra o Eixo, no Dia D, nos eventos que envolveram o planejamento da Invasão da Normandia, que redefiniram os rumos da 2ª Guerra, na Europa Ocidental? Pois é…
Como dissemos no artigo da semana passada, intitulado “As tarifas de Trump e os herdeiros de Bretton Woods”, seria muita inocência achar que os EUA, que se envolveu em tantas frentes e batalhas desde a 2ª Guerra Mundial – e que tem a CIA a seu favor – estaria, hoje, escrevendo tudo em documento, sem usar de cortina de fumaça ou ter cartas na manga. Aliás, também não agiu movido por mera questão local envolvendo ex-presidente ou outras coisinhas do nosso quintal… As suas pretensões, assim como as da OTAN, miram na Rússia, Irã, China e outros e, para atingi-las, estão se dirigindo contra um grande país, com um povo pacífico e alegre, que não conviveu com guerras em seu território e não tem, portanto, o hábito de pensar que pode sofrer, mesmo, de verdade, os horrores de sanções econômicas ou de um desarranjo forte na sua economia e forças produtivas e empregos, por conta de recentes alinhamentos políticos.
O jogo é grande demais e Trump avisou que iria “usar o Departamento de Justiça contra seus inimigos políticos” (CNN Brasil, 31.10.2024), constando que “Trump usa tarifas como arma política e cobra do Brasil o preço por não se alinhar internacionalmente” (Terra.com, 10.7.2025, assinam Paulo Esteves e Carlos Frederico Coelho), ainda havendo mais, pois, como já dissemos: “sobre “o jogo” em curso, os EUA “articulam acesso estratégico a Fernando de Noronha e Natal sob alegação de direito histórico e investimento bélico” (DefesaNet, Editor, 07.5.2025).”
Aliás, essas pretensões dos EUA sobre Natal e Fernando de Noronha está ligada à 2ª Guerra Mundial, quando bases no Nordeste serviram de apoio às batalhas havidas na África. Portanto, fica fácil se ver como as coisas estão entrelaçadas com os acordos de Bretton Woods, feitos por 44 países, para buscar o equilíbrio monetário após aquele conflito global e a criação do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, a criação da OTAN e o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (1.968) e envolve o que vemos como 2ª Guerra Fria se conformando e consolidando.
A propósito, em torno dos grandes objetivos de proteção da humanidade, visados por esse “acordo de não proliferação de armas nucleares” está a preocupação com o desaparecimento de cápsulas de Urânio enriquecido, da fábrica brasileira, em Resende/RJ (G1 Globo, 16.8.2023). Aliás, demonstrando o nosso afinamento com bloco contrário à OTAN e aos EUA, recebemos, em porto do Rio de Janeiro, navios de guerra e, portanto, não comerciais, do Irã (“Navios de guerra do Irã atracam no Brasil, mesmo após pressão dos EUA”, CNN, assina Leonardo Ribbeiro, 27.2.2023, atualizada em 28.2.2023).
Por fim, após arroubos iniciais de alguns seguimentos, o Brasil voltou atrás na intenção de retaliar os EUA, na linha do “olho por olho, dente por dente”, com base na Lei da Reciprocidade.
É até crível que as manifestações por retaliação possam ter gerado a anunciada novel medida dos EUA, com potencial de ser extremamente explosiva para a nossa sobrevivência comercial. Trata-se de investigação aberta contra práticas comerciais que considera questionáveis, com base na Seção 301, que integra a legislação de comércio dos EUA, nos confrontando com acusações sobre pirataria e corrupção. Curiosamente, com o fim da Lava Jato, aqui, teríamos, supostamente, comprometido acordos de transparência, inclusive constando que empresa brasileira teria fechado acordo com a Justiça dos EUA, em torno de US$ 2,6 bilhões em multas, a ser dividido entre autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças – G1 O Globo, 17.4.2017). Além disso, focam no uso do PIX como alternativa prática às matrizes de cartões de crédito do sistema americano – irradiadas para o mundo – e o que mais julgarem prejudicial aos mercados e interesses financeiros de norte-americanos, neste momento, inclusive o desmatamento na Amazônia, que aumentou 92% só em maio (G1 Globo, Redação, 06.6.2025).
São vários ingredientes. O cesto está pesado. Caberá a nós suportar o seu peso até que tudo esteja resolvido e não colocando o povo e o país nas cordas, neste ringue internacional. Não estamos em momento de gracejos, de perda de tempo ou de jogar para a plateia, porque, se a coisa desandar, todos serão atingidos, inclusive os neutros. A propósito, “A frota naval também sente o impacto da penúria orçamentária. Caso não haja reforço no orçamento, a Marinha estima que pode perder cerca de 40% de seus navios até 2028” (“Orçamento da Marinha despenca e acende alerta sobre segurança nacional”, publicado em Defesa Aérea e Naval; assina Luiz Padilha, 29.6.2025) Ora, com tudo isso, como enfrenta-los e defender o país, o povo e o território? Com jabuticabas?
A GUERRA DAS JABUTICABAS
