Faz tempo que a Zara virou marca-desejo aqui, mesmo sendo fast-fashion como tantas outras. Lançamentos acelerados e roupas com design genérico, reproduzindo o que grandes marcas fazem e criam. Os vídeos de unboxing de produtos e de achados em suas promoções ajudaram a Zara a se estabelecer ainda mais no mercado brasileiro, mesmo depois de tantos anos aqui.
A H&M chegou no Brasil agora e eu, particularmente, ainda não sei muito o que esperar. Não sou de consumir roupas de fast-fashion há muitos anos, com exceção de linhas específicas, após checagem das certificações sustentáveis. No entanto, percebi, acompanhando pelas redes sociais, que a H&M está seduzindo o público daqui através da própria cultura brasileira. Diferente da Zara que, até um certo ponto, faz de tudo para manter essa identidade mais europeia.
A campanha da H&M, com nomes como Gilberto Gil, Anitta e Agnes Nunes, mostra ritmo e diversidade e desperta uma curiosidade gigante em quem está assistindo. Ela quis chegar no nosso país dialogando com o nosso povo, abrindo espaço para si mesma através da cultura, entendendo o brasileiro e não apenas impondo a estética que carrega em seu DNA europeu.
Gil, esse fenômeno da música popular brasileira, aparece dizendo “moda é um modo” e, depois de sua fala, alguém ainda diz que “a roupa é um oi”… A moda é mesmo um jeito de chegar, de falar, de se comunicar. A moda, como já disse em alguns artigos anteriores, é uma linguagem que representa uma visão de mundo. Por isso, evidentemente, é grito, é narrativa, é ancestralidade, é poder, é território em disputa e é também sutileza de ser quem se é.
A H&M aposta certo em chegar aqui através de uma comunicação que abre esse diálogo com o povo brasileiro, com ritmo, com gingado, porque a cultura mantém a moda viva, especialmente quando esse individualismo, tão presente no mundo contemporâneo, insiste em querer esquecer disso. Moda não só sobre o que vestimos, mas sobre como escolhemos existir no mundo, ser nós mesmos, nos mostrar para o outro… Moda é muito sobre como nos sentimos confortáveis na própria pele.
Essa campanha de lançamento da H&M no Brasil foi pensada para aproximar uma marca global do imaginário local, para criar desejo. O objetivo foi criar identificação com o público daqui e legitimar a sua presença no país, ainda que dentro de um discurso mais amplo de consumo acessível, com o sistema de fast-fashion.
É importante falarmos que a sua chegada representa um novo capítulo para o varejo nacional de moda. Contudo, a sua estreia, acompanhada dessa campanha que celebra a diversidade e a brasilidade, reacende o debate entre consumo de massa e moda autoral que realmente valorize a identidade, a inclusão, tudo isso com responsabilidade socioambiental. A H&M não é brasileira: ela quer chegar e fazer você, consumidor, acreditar que pode ser, para que você compre, consuma. É uma sedução, mesmo.
Aqui, queria ir um pouco além e abrir um diálogo entre a H&M e a Farm, uma marca nossa, bem brasileira, que lançou recentemente uma nova categoria dentro de si mesma. Acho que a Farm é sinônimo de brasilidade para muita gente, essa estética bem tropical, colorida, mas que abraça até quem não ama estampa – tipo eu, que adoro os produtos neutros, de linho!
A nova marca da Farm, chamada Farm Etc, é uma extensão desse estilo de vida que a marca vende. Para quem é do Rio como eu, isso é ainda mais forte e mais fácil de visualizar, porque a Farm vende, acima de tudo, um estilo de viver bem carioca.
Na campanha, a marca apostou em ousadia e impacto visual, trazendo personalidades como Jesuíta Barbosa, Narcisa Tamborindeguy e Marcelo D2. Diferente do tom festivo e dançante da H&M, a Farm buscou reforçar sua identidade ousada, tropical e carioca, num movimento de autoafirmação de marca autoral e que abraça a sua cultura e a diversidade brasileira.
A Farm Etc amplia, por sua vez, o universo da Farm para além das roupas e dos acessórios que a marca já fazia, oferecendo itens que realmente vão de encontro com o estilo de vida vibrante, solar e tropical dos brasileiros. A marca busca fortalecer a cultura da qual faz parte, em contraste com a padronização global das fast-fashions, disputando espaço através de narrativas autênticas e afetivas.
As duas campanhas recorreram a personalidades diversas, de diferentes áreas, estilos e origens, como estratégia para gerar identificação com o público, valorizando a cultura como narrativa central: em vez de focar exclusivamente no produto, exploraram elementos simbólicos para comunicar um estilo de vida. Nesse sentido, tanto a H&M quanto a Farm Etc buscaram construir uma sensação de comunidade, se apresentando não apenas como marcas, mas como parte do cotidiano das pessoas, extrapolando a ideia de roupa enquanto simples item de consumo para algo ligado ao afeto, à esfera cultural, de pertencimento, de comunidade.
Quis trazer os dois casos apenas porque são parecidos, apesar de opostos. Organizações sociais, marcas locais e autorais, independentes, estão enfrentando grandes desafios com a moda nacional, especialmente quando ela abre espaço para essas gigantes e fronteiras para outras, que nem loja física têm.
Não podemos deixar de questionar os verdadeiros impactos desse modelo que a gente está aceitando tão bem, mas não deveria. O contraste, aqui, é gritante: enquanto um varejista estrangeiro recebe cobertura e engajamento da mídia, presença de influenciadores em eventos e etc, iniciativas nacionais lutam por apoio, visibilidade e investimento mínimos.
Nesse contexto, quando vemos, então, personalidades brasileiras em campanhas de fast-fashion, nos afastamos um pouco mais da possibilidade de fortalecer a moda feita aqui. A nossa moda é ancestral, o Brasil é muito rico.
Trouxe a Farm como exemplo, porque pensei em comparar as campanhas de lançamento, mas é legal pensarmos que ela já está muito bem estabelecida no mercado e é conhecida, inclusive, internacionalmente. Temos muitas outras marcas em nosso território precisando de visibilidade. Olhem para dentro, para o que é feito aqui, criado aqui, por brasileiros, para brasileiros. Precisamos de valorização e visibilidade da moda nacional.
Vestir a nossa identidade
