O primeiro-ministro do Nepal renunciou depois que mais de uma dúzia de pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas durante protestos liderados por jovens, motivados pela proibição governamental de plataformas de mídia social, corrupção generalizada e poucas oportunidades econômicas.
As forças de segurança usaram munição real, canhões de água e gás lacrimogêneo durante protestos em diversas cidades, nos quais as autoridades disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas, de acordo com a agência de notícias Reuters.
O Nepal, um país himalaio de 30 milhões de pessoas, é conhecido por sua política turbulenta e viu mais de uma dúzia de governos desde que fez a transição para uma república após abolir sua monarquia de 239 anos em 2008, após uma guerra civil de uma década.
Ainda assim, os últimos protestos, liderados por pessoas de 13 a 28 anos — o grupo conhecido como Geração Z — são os piores distúrbios do Nepal em décadas.
O primeiro-ministro nepalês, KP Sharma Oli, anunciou sua renúncia na terça-feira (9) em uma carta que citava “a situação extraordinária” no país, de acordo com uma cópia da nota publicada nas redes sociais por um alto assessor.
Manifestantes voltaram às ruas na capital na terça-feira (9), desafiando o toque de recolher imposto no centro da cidade e após o governo suspender a proibição de redes sociais.
Fotos da Reuters mostraram manifestantes queimando uma guarita policial e móveis em frente ao escritório do Congresso Nepalês, o maior partido político do Nepal. O aeroporto internacional foi fechado devido à violência na cidade, que afeta as operações, informou a Reuters, citando a autoridade de aviação.
Ao sul de Katmandu, no município de Chandrapur, a polícia disparou para o ar enquanto manifestantes desafiavam o toque de recolher para se reunir, disse uma autoridade local à CNN. Os manifestantes também incendiaram uma viatura policial, disse a fonte.
Aqui está o que sabemos sobre a agitação que assola o Nepal.
O que desencadeou os protestos?
A raiva contra o governo pelo que muitos veem como corrupção desenfreada de décadas no Nepal já estava aumentando e se espalhou pelas ruas da capital na semana passada, depois que o governo bloqueou plataformas de mídia social, incluindo Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube e X, em uma medida que foi amplamente criticada por grupos de direitos humanos.
O governo escreveu novas regras que, segundo ele, eram necessárias para reprimir notícias falsas e discurso de ódio e ameaçou banir qualquer empresa de mídia social que não se registrasse.
Até a meia-noite da última quinta-feira (4), 26 plataformas estavam fora do ar, de acordo com a mídia local.
Mas os organizadores dizem que os protestos, que se espalharam pelo país, não são apenas sobre a proibição das mídias sociais, mas também são um reflexo da frustração geracional com as poucas oportunidades econômicas.
A taxa de desemprego para jovens de 15 a 24 anos no Nepal era de 20,8% em 2024, de acordo com o Banco Mundial.
Enquanto isso, um movimento viral online contra os “Nepo Kids” — filhos de políticos exibindo seus estilos de vida luxuosos — está alimentando ainda mais a raiva ao destacar as disparidades entre os que estão no poder e os nepaleses comuns.
A economia do Nepal depende fortemente do dinheiro enviado por nepaleses que vivem no exterior. Mais de um terço (33,1%) do PIB do Nepal veio de remessas pessoais, segundo o Banco Mundial, um número que tem aumentado constantemente nas últimas três décadas.
“Todos os cidadãos nepaleses estão fartos da corrupção. Todos os jovens estão indo para fora do país. Então, queremos proteger nossos jovens e melhorar a economia do país”, disse um manifestante à Reuters.
Protestos se tornam mortais
Os protestos se tornaram violentos na segunda-feira (8), quando manifestantes entraram em confronto com a polícia no complexo do parlamento em Katmandu.
A polícia disparou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra milhares de jovens manifestantes, muitos dos quais usavam uniformes escolares ou universitários, de acordo com a Reuters.
Manifestantes atearam fogo a uma ambulância e atiraram objetos contra a polícia de choque que guardava o legislativo, informou a Reuters, citando uma autoridade local.
“A polícia está atirando indiscriminadamente”, disse um manifestante à agência de notícias indiana ANI.
Pelo menos 17 pessoas foram mortas em Katmandu e mais duas na cidade oriental de Itahari, de acordo com autoridades hospitalares.
Mais de 400 pessoas, incluindo funcionários das forças de segurança, foram hospitalizadas após sofrerem ferimentos na segunda-feira, de acordo com um relatório do Ministério da Saúde do Nepal.
Organizações internacionais rapidamente condenaram a repressão letal da polícia e pediram uma investigação independente.
O escritório de direitos humanos da ONU afirmou estar “chocado” com as mortes dos manifestantes e pediu uma investigação “transparente”. Afirmou ter recebido “várias alegações profundamente preocupantes de uso desnecessário” de força pelas forças de segurança durante os protestos.
“O uso de força letal contra manifestantes que não representam uma ameaça iminente de morte ou ferimentos graves é uma grave violação do direito internacional”, disse a Anistia Internacional em um comunicado.
Governo sob pressão
A renúncia do primeiro-ministro Oli ocorreu depois que uma série de outras autoridades renunciaram devido à resposta do governo aos protestos.
O Ministro do Interior, Ramesh Lekhak, renunciou na segunda-feira após a violência, de acordo com o Ministro das Comunicações, Prithvi Subba. Os ministros da Agricultura, Água e Saúde também renunciaram, escreveram nas redes sociais.
O governo também suspendeu a proibição de plataformas de mídia social.
Em uma declaração antes de sua renúncia, Oli disse que seu governo “não era negativo em relação às demandas levantadas pela geração Z” e disse que estava “profundamente triste” pelos incidentes de segunda-feira.
Ele culpou a “infiltração de vários grupos de interesses instalados” pela violência, sem dar mais detalhes sobre quem eram esses grupos.
Gagan Thapa, Secretário-Geral do Congresso Nepalês e membro do parlamento, expressou na terça-feira sua angústia com a “visão cruel de jovens inocentes sendo mortos desnecessariamente diante de nossos olhos” e pediu a Oli que “assuma a responsabilidade por essa opressão e renuncie imediatamente”.
Thapa acrescentou: “O Congresso Nepalês não deve, e não pode, permanecer como testemunha e parceiro nesta situação, nem por um único dia. O Congresso Nepalês deve se retirar do governo imediatamente. Trabalharei para que essa decisão seja tomada na reunião do partido.”
O jornal de maior vendagem do Nepal também pediu na terça-feira que Oli renunciasse, com seu conselho editorial argumentando que ele “não pode ficar na cadeira do primeiro-ministro por mais um minuto” após o derramamento de sangue de segunda-feira.
Fonte: CNN