No dia 16 do corrente mês foi aprovada, em segundo turno, por 344 votos favoráveis e 133 contrários, a Proposta de Emenda Constitucional nº 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem.
Segundo os opositores, a PEC tem como objetivo o fortalecimento da impunidade — por vedar a abertura de ações criminais contra deputados e senadores sem autorização do Parlamento — e a relativização do princípio da transparência, ao admitir o voto secreto em decisões que tratam da responsabilização de parlamentares.
Ao contrário do que afirmam os opositores, a proposta, segundo seu parecer, tem como objetivo o fortalecimento da independência e da separação dos Poderes.
Citam, entre outros, como fundamento jurídico:
1 – O livro Curso de Direito Constitucional, de autoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes e do Procurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet:
“Com a finalidade de assegurar a liberdade do representante do povo ou do Estado-membro no Congresso Nacional, e isso como garantia da independência do próprio Parlamento e da sua existência, a Constituição traça um conjunto de normas que instituem prerrogativas e proibições aos congressistas. […]
A imunidade não é concebida para gerar um privilégio ao indivíduo que, por acaso, esteja no desempenho de mandato popular; tem por escopo, sim, assegurar o livre desempenho do mandato e prevenir ameaças ao funcionamento normal do Legislativo.”
2 – Na ADI 5526, cuja redação do acórdão foi entregue ao Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal consignou seu entendimento a respeito das prerrogativas institucionais ora em análise:
“Na independência harmoniosa que rege o princípio da Separação de Poderes, as imunidades do Legislativo, assim como as garantias do Executivo, Judiciário e do Ministério Público, são previsões protetivas dos Poderes e Instituições de Estado contra influências, pressões, coações e ingerências internas e externas e devem ser asseguradas para o equilíbrio de um Governo Republicano e Democrático.
- Desde a Constituição do Império até a presente Constituição de 5 de outubro de 1988, as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas, no intuito de preservar o Poder Legislativo de eventuais excessos ou abusos por parte do Executivo ou Judiciário, consagradas como garantia de sua independência perante os outros poderes constitucionais, mantendo sua representação popular.”
Independentemente dos posicionamentos favoráveis ou contrários, fato é que tal medida foi elaborada em resposta ao STF, que, segundo alguns setores da imprensa, tem se imiscuído nas funções do Legislativo e perseguido alguns parlamentares por suas falas e opiniões, quando estas divergem do entendimento político-jurídico daquela Corte.
Segundo o deputado Filipe Martins (PL-PR), a proposta “evita chantagens e pressões indevidas de outros Poderes sobre deputados e senadores”.
O deputado Gilvan da Federal (PL-ES) ressaltou a necessidade da PEC para garantir a imunidade parlamentar, prevista na Constituição Federal, que protege quaisquer palavras ou declarações dos congressistas no exercício de seus mandatos. O próprio parlamentar encontra-se sob investigação por suas declarações, situação que, segundo ele, contraria o texto constitucional.
Exemplos não faltam. Apenas para citar alguns, os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE), Sílvia Waiãpi (PL-AP) e Gustavo Gayer (PL-GO) estão sendo investigados e/ou processados por palavras e postagens em redes sociais.
Fazendo coro aos demais congressistas, o deputado Gustavo Gayer destacou a necessidade da PEC para pôr fim a chantagens e perseguições, permitindo que o Congresso vote de acordo com a vontade dos eleitores, e não sob a influência de alguns “não eleitos do Supremo Tribunal Federal”.
Blindagem do Legislativo x Blindagem do Judiciário
Se for para falar em blindagem, é preciso voltar os olhos também para a Suprema Corte.
Com a devida vênia àquela respeitável e indispensável instituição para o Estado Democrático de Direito, alguns ministros têm se colocado como imunes a quaisquer medidas de responsabilização, inclusive deixando de observar preceitos da própria Lei de Organização da Magistratura (LOMAN).
A LOMAN (Lei Complementar nº 35, de 1979) estabelece, em seu artigo 36, inciso III, que não é lícito aos juízes:
“Manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério.”
Entretanto, a todo momento, assistimos ministros comentando publicamente processos pendentes ou matérias que futuramente estarão sob sua análise de julgamento.
O Ministro Gilmar Mendes, em recente entrevista, criticou o voto do eminente Ministro Luiz Fux, que discordou da maioria na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros réus, afirmando que “o voto do ministro Fux está prenhe de incoerências”.
Em outra ocasião, ao falar sobre o projeto de anistia em trâmite no Congresso, o mesmo ministro afirmou estar convicto de que a proposta é ilegítima e inconstitucional.
No julgamento da chamada “Trama Golpista”, que condenou Bolsonaro e demais réus, o Ministro Relator (Moraes) e o Revisor (Flávio Dino) anteciparam juízo de valor sobre a inconstitucionalidade de uma eventual anistia, matéria que não estava sob julgamento, o que, pela LOMAN, deverá impedi-los de participar de futuros processos relacionados ao tema.
Não se trata de defender uma mordaça para os magistrados, mas apenas de exigir o cumprimento das limitações impostas pela própria legislação.
Um juiz que antecipe publicamente sua opinião sobre uma matéria que futuramente julgará deverá se dar por impedido quando o processo chegar às suas mãos.
Não podemos olvidar que ninguém está acima da lei, nem mesmo um ministro do STF.
A Constituição Federal estabelece um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, justamente para evitar a concentração de poder.
Se a Suprema Corte se coloca imune à legislação e ao sistema constitucional, o país corre o risco de viver o que se pode denominar “ditadura judicial”.
Como os ministros do STF não estão sujeitos à correição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por serem membros do órgão máximo do Judiciário, a única medida possível para conter abusos ou desvios de conduta reside nas mãos do Senado Federal, que pode instaurar processo de impedimento, mediante decisão de seu presidente, para julgar um ministro da Suprema Corte.
Contudo, o ministro decano do STF parece afastar também essa competência do Senado, ao declarar publicamente, em fala divulgada pela CNN Brasil:
“Não espero que o Senado venha a agir para buscar vindita em relação ao STF. Impeachment deve ser um processo regular.
Se for por conta do voto de um ministro, seria irregular.
O STF não vai aceitar.”
Ora, a abertura do processo de impedimento cabe exclusivamente ao Presidente do Senado, e o julgamento — de natureza político-jurídica — segue rito já consolidado por experiências passadas.
Não cabe ao Judiciário revisar ou impedir seu andamento.
Com a devida vênia, se os Poderes respeitassem a independência, as competências e as prerrogativas constitucionais uns dos outros, não haveria necessidade de uma “PEC da Blindagem”, ou de qualquer outro mecanismo alcunhado com nome semelhante.
Tenho dito!