Na representação que deu origem à Operação Spare, desdobramento da Operação Carbono Oculto deflagrada nesta quinta-feira (25/9), os promotores do Ministério Público de São Paulo (MPSP) afirmaram que um suposto comparsa do empresário Flávio Silvério teria utilizado lojas da rede de cosméticos O Boticário para lavar dinheiro por meio de depósitos em espécie, que somam R$ 4 milhões.
Segundo os promotores, as transações feitas por essas lojas foram alvo de diversas comunicações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), apontando irregularidades.
Alvo de um dos 25 mandados de busca e apreensão expedidos no âmbito da Operação Spare, Flávio Silvério Siqueira, conhecido como Flavinho, é apontado como o principal responsável por coordenar o esquema de lavagem de dinheiro e uma rede de “laranjas”. As fraudes envolvem postos de combustíveis, casas de jogos de azar e motéis ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
De acordo com as investigações, Maurício Soares de Oliveira, outro alvo da operação, atuaria em parceria com Flavinho no esquema e teria uma rede de lojas de O Boticário em conjunto com sua mãe.Play Video
As unidades, diz o MPSP, tiveram receita bruta crescente mesmo durante a pandemia, quando os estabelecimentos sofreram com restrições sanitárias, e um “elevado montante de lucros acumulados”.
Entre os indícios de lavagem de dinheiro citados pelos promotores está um empréstimo de R$ 1,5 milhão concedido por Maurício a Eduardo Silvério, filho de Flavinho. A quantia teria sido usada por Eduardo para justificar seu aumento patrimonial.
Em 2020, Maurício adquiriu um helicóptero de modelo A109E por R$ 6 milhões. Para os promotores, a aeronave seria de Flávio Silvério.
“Há fundados indícios de que o proprietário de fato da aeronave era Flávio Silvério e, nesse sentido, no mesmo dia da emissão da nota fiscal de venda do helicóptero para Maurício, Flávio Silvério adquiriu, através da empresa AFS Apoio Administrativo, então em nome de Adriana, combustível de aviação para o helicóptero”, diz a representação do MPSP.
Em nota ao Metrópoles, o Grupo Boticário informou que não tinha conhecimento e nem responsabilidade sobre “as ações ilícitas denunciadas na Operação Spare, que incluem as acusações referentes a Maurício Soares de Oliveira, sócio de uma empresa terceira que possui participação em lojas franqueadas”.
A empresa acrescentou que busca informações junto às autoridades competentes e reforçou que “adota políticas específicas de prevenção à lavagem de dinheiro e anticorrupção, somadas ainda ao seu Código de Conduta e ao próprio contrato de franquia”.
“O Grupo Boticário repudia veementemente qualquer ação ilegal, irregular ou que contrarie seus valores e princípios”, finaliza a nota.
O Metrópoles busca a defesa de Maurício Soares de Oliveira. O espaço está aberto para manifestação.
Operação Spare
As investigações da Operação Spare começaram a partir da apreensão de máquinas de cartão em casas de jogos clandestinos situadas na cidade de Santos, no litoral paulista, que estavam vinculadas a postos de combustíveis. A análise das movimentações financeiras revelou que os valores eram transferidos para uma fintech, utilizada para ocultar a origem ilícita dos recursos e sua destinação final.
O MPSP identificou uma complexa rede de pessoas físicas e jurídicas envolvidas na movimentação dos valores ilícitos. Também foram constatados vínculos com empresas do ramo hoteleiro, postos de combustíveis e instituições de pagamento que mantinham uma contabilidade paralela, dificultando o rastreamento dos recursos.
A fintech por onde a organização criminosa movimenta milhões de reais seria a BK Bank, a mesma utilizada pelos alvos da Operação Carbono Oculto, que apontou um esquema colocado em prática por organizações criminosas investigadas de participação fraudulenta no setor de combustível, com infiltração de integrantes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC).
Infiltração no mercado formal
O principal alvo da operação está ligado a uma extensa rede de postos de combustíveis usada para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. A estrutura foi identificada a partir da concentração de empresas sob responsabilidade de um único prestador de serviço, que formalmente controlava cerca de 400 postos — sendo 200 vinculados diretamente ao alvo e seus associados.
A Receita Federal identificou ao menos 267 postos ainda ativos, que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais — o equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor. Também foram identificadas administradoras de postos que movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.
A atuação do grupo, no entanto, não se restringia ao setor de combustíveis. Por meio de pessoas relacionadas, o principal alvo também operava lojas de franquias, motéis e empreendimentos na construção civil.
Durante as fiscalizações, foram identificados 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos relacionados a uma mesma franquia, todos em nome de alvos da operação. Entre 2020 e 2024, essas empresas movimentaram cerca de R$ 1 bilhão, mas emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais. No mesmo período, recolheram R$ 25 milhões em tributos federais — 2,5% da sua movimentação financeira no mesmo período — e distribuíram R$ 88 milhões em lucros e dividendos.
Segundo a Receita, mais de 60 motéis também foram identificados, a maioria em nome de “laranjas”, com movimentação de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024. Esses estabelecimentos contribuíram para o aumento patrimonial dos sócios, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos. Um dos motéis chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema – um deles distribuiu R$ 1,7 milhão em lucros após registrar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.
Operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs de motéis vinculados a integrantes da organização criminosa também chamaram a atenção da Receita. Um dos CNPJs adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021; outro comprou um imóvel de R$ 5 milhões em 2023.
As investigações revelaram, ainda, o uso de Sociedades em Contas de Participação (SCPs) para construção de empreendimentos imobiliários, especialmente prédios residenciais em Santos, durante a década de 2010.
Como os sócios ocultos dessas sociedades são mantidos em sigilo, não é possível determinar quantas ainda estão em poder dos alvos. Com base em uma sócia ostensiva comum, estima-se que ao menos 14 empreendimentos movimentaram R$ 260 milhões entre 2020 e 2024.
Fonte: Metrópoles