Há uns meses, em março de 2025, escrevi um artigo sobre o luxo, no qual disse que “o luxo, como conhecíamos, está em mudança para algo que ainda não conseguimos prever, mas sabemos: vem perdendo espaço na moda e estabelecendo, cada vez mais, seu espaço nas experiências, nas viagens…”. Estou desdobrando a minha fala para pensarmos sobre a ideia de luxo através da perspectiva de que ele está relacionado ao tempo.
O universo de wellness nos mostra isso tão bem quanto o das viagens e o dos clubes de leitura. O mercado de luxo está atrás do que exige investimento daquilo que a maioria da população não consegue ter, por causa das demandas da vida.
A desigualdade social, em qualquer lugar do mundo, nos mostra que o tempo, hoje, é o recurso mais escasso de todos, especialmente entre as classes sociais mais baixas. Claro que, com dinheiro, é possível acessar muitos bens, mas ostentar tempo é algo realmente exclusivo para poucos.
Muito tem se falado do grande privilégio que é ter acesso à educação, aos livros, a boas escolas e universidades… É de grande privilégio ser o detentor de boa informação e conhecimento e sabemos, por exemplo, que filhos de ricaços brasileiros sempre foram encaminhados para estudar em internatos na Suíça. A educação é um direito de todo brasileiro, mas a boa educação é privilégio e nós sabemos muito bem disso.
Hoje, o luxo sacou isso e caminha cada vez mais para esse universo. Através da perspectiva de que luxo é ter tempo, algumas marcas de moda estão criando clubes do livro ou eventos para promover a leitura. A Chanel, por exemplo, se associa ao universo da leitura e promove a sofisticação aliada à substância cultural.
Aqui, é como se, ao se associarem à esse tipo de luxo, incentivando e promovendo conhecimento aos clientes, houvesse também a desmistificação da percepção de superficialidade tão relacionada à moda. O hábito de leitura, combinado à estética e ao universo da moda, então, seria como um novo acessório. É chique ser inteligente, ter tempo para ler e se reunir com semelhantes para promover o hábito da leitura…
Eles querem a leitura para reforçar o seu universo exclusivo e, consequentemente, excludente! Leitura não é para qualquer um, assim como os produtos de luxo que essas marcas vendem. Clubes de leitura criam pertencimento, engajamento, comunidade (que também é um enorme foco de marcas e empresas), mas sem massificar ou abrir para outros públicos.
Os clubes do livro prezam por livros físicos, preservando a ideia de possuir, de poder de compra, de bem material. Essa estratégia que algumas marcas e empresas vêm incorporando estão ligadas ao capital cultural que, segundo o conceito de Bourdieu, é o conjunto de conhecimentos, habilidades, educação e formas de apreciação cultural que uma pessoa adquire ao longo da vida e que podem ser usados para obter reconhecimento perante a sociedade, status e prestígio. Falei sobre repertório em outro artigo recentemente, quem lembra? A ideia é a mesma.
Algumas empresas também estão estimulando a atividade física. Ostentar o treino, o tempo de preparo de uma maratona, de uma prova de triatlo, em um mundo esgotado de tarefas e trabalho, é pura riqueza e luxo. Isso porque, além do próprio esporte, ainda é necessário disponibilidade de tempo e de dinheiro para fazer acompanhamento com uma gama gigantesca de outros profissionais, para além do preparador físico, como nutricionista, fisioterapeuta, médico esportista…
O crescimento do mercado de wellness também ocupa o de luxo, com suplementos, relógios, acessórios, tênis e bicicletas, fones de ouvido e roupas tecnológicas, tudo vendido como necessários para melhorar o nosso desempenho nos esportes.
Vivemos sob uma intensa pressão de produtividade, então conseguir correr em uma quarta-feira na orla da praia ou reservar uma manhã de quinta para discutir sobre literatura clássica é mais raro do que qualquer bolsa de 10 mil reais, já que facilitam os parcelamentos ou a compra de réplicas e produtos de segunda mão.
Acredito que o luxo tenha sempre sido sobre tempo: na moda, é a valorização do artesanal, do sustentável, do processo artístico, do fazer com calma… O que leva, num geral, à exclusividade, já que são peças que levam tempo para serem feitas e, por isso, custam mais caro.
Hoje, para além dos comportamentos ligados à moda, como falo no artigo de março, penso que o luxo tem a ver com tempo para estudar sem pressa, com profundidade, para revisitar e aprofundar ideias, para ler sem olhar o relógio. Luxo tem a ver com tempo para cuidar do corpo, respirar ao ar livre, praticar atividade física.
O luxo, na atualidade, não se define apenas pela posse de objetos e bens caros e escassos ou pelo poder de compra, mas pelo acesso ao que o dinheiro não pode garantir: tempo – que permite adquirir conhecimento e ter qualidade de vida.
Capital cultural não pode ser comprado ou encenado, ele precisa ser incorporado e isso leva tempo, demanda cuidado, necessita de dedicação. Assim como a prática de esporte de alto rendimento, que demanda tempo e cuidados. Em uma sociedade tão acelerada, cultivar repertório e incorporar algum esporte na rotina virou forma de luxo. Como disse, junto ao tempo, vem a possibilidade de usá-lo para aprender, cuidar da saúde e viver com mais qualidade e calma. Em uma era de excessos, mais do que acumular bens, o interesse do mercado de luxo é acumular repertório cultural, clareza intelectual e vitalidade.
Conseguir comandar o próprio tempo, em meio à maioria da população refém de agendas lotadas, horários fechados com contrato CLT e tantas horas perdidas no trânsito, é um privilégio. No fim, o luxo é poder escolher como investir as horas do dia, seja lendo junto aos outros consumidores de marcas de luxo ou praticando atividades físicas que, além de cuidar do corpo, previnem doenças e ajudam no bem estar e longevidade.
O luxo, no fim das contas, está em ostentar a liberdade, em ser dono do próprio tempo, em dispor de autonomia e consciência. O novo luxo é, afinal, ter tempo para cuidar da mente, do corpo e da alma.