Radharani saiu para comemorar o aniversário de uma amiga em um bar de uma região nobre de São Paulo. Ela conta que consumiu três caipirinhas de frutas vermelhas com maracujá e vodca, sem notar gosto estranho. Horas depois, passou mal, foi levada pela irmã ao hospital e acabou internada na UTI, onde chegou a ter convulsões, ser intubada e perder a visão.
‘Era para ser uma comemoração em um bar em uma região nobre, não era nenhum boteco de esquina’, desabafou a designer de interiores ao Fantástico, ainda internada no hospital. “Foi um estrago bem grande. Não estou enxergando nada”
Camila Carbone Prado, médica especialista do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp (CIATox-Campinas) explica que os casos de intoxicação por metanol normalmente estão mais ligados ao consumo inadequado de álcool combustível , muitas vezes associados às periferias.
“Principalmente por populações mais vulneráveis pela questão do preço mais acessível do que a bebida alcoólica. Porém, esses casos agora mais recentes, a procedência foi de bebidas alcoólicas, que teoricamente são apropriadas para o uso”, explica.
O caso de Radharani se soma a uma série de intoxicações por bebidas adulteradas com metanol no estado. Um dos mais graves é o de Rafael, jovem internado em coma desde o início de setembro. Segundo a mãe do jovem, o estado dele “é irreversível”.
Fábio Azembal, o oftalmologista que atendeu a vítima, explicou que os pacientes intoxicados por metanol podem apresentar alterações de consciência e confusão mental, mas o principal sintoma está nos problemas gastrointestinais, como vômito intenso, cólicas abdominais e dor de barriga.
Ele alertou ainda que é preciso atenção especial porque esses sinais podem se confundir com os de uma ressaca comum, mas a intoxicação exige socorro rápido para evitar lesões graves ou perda da visão.
O Ministério da Justiça emitiu alerta a bares e comerciantes para reforçar a checagem da procedência das bebidas. As recomendações também valem para os serviços de saúde, que devem considerar a hipótese de contaminação em pacientes com sintomas suspeitos. Enquanto isso, famílias como a de Radharani e Rafael aguardam respostas das autoridades e cobram justiça.
O que diz a Secretaria Estadual da Saúde
“O Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do Estado de São Paulo informa que, desde junho deste ano, foram confirmados seis casos de intoxicação por metanol, dos quais dois resultaram em óbito — um em São Bernardo do Campo e outro na capital.
Atualmente, há dez casos sob investigação com suspeita de intoxicação por consumo de bebida contaminada, na capital.
O CVS está apoiando e monitorando o trabalho dos Municípios na fiscalização dos estabelecimentos de comércio de bebidas (distribuidoras, bares etc.) envolvidos na comercialização e distribuição dos produtos contaminados. O CVS reforça que o consumo de bebidas alcoólicas de origem clandestina ou sem procedência confiável representa risco à saúde, já que podem conter substâncias tóxicas.
A recomendação é que bares, empresas e demais estabelecimentos redobrem a atenção quanto à procedência dos produtos oferecidos, e que a população adquira apenas bebidas de fabricantes legalizados, com rótulo, lacre de segurança e selo fiscal, evitando opções de origem duvidosa e prevenindo casos de intoxicação que podem colocar a vida em risco.”
O que diz o governo federal
“Nesta sexta-feira (26), a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad/MJSP) recebeu, por meio do Sistema de Alerta Rápido (SAR), notificação que reporta nove casos de intoxicação por metanol, no estado de São Paulo, num período de 25 dias, todos a partir da ingestão de bebida alcoólica adulterada.
O número de casos registrado, inicialmente, pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox), de Campinas (SP), e encaminhado ao Comitê Técnico do SAR é considerado fora do padrão para o curto período de tempo e também por desviar dos casos até hoje notificados de intoxicação por metanol.
O Ciatox recebeu, nos últimos dois anos, casos de intoxicação por metanol a partir de consumo de combustíveis por ingestão deliberada em contextos de abuso de substâncias, frequentemente associada à população de rua. Contudo, de acordo com a notificação de hoje, a ingestão se deu em cenas sociais de consumo alcoólico, incluindo bares, e com diferentes tipos de bebida, como gin, uísque e vodca. São registros inéditos no referido centro toxicológico. É possível haver outros casos não notificados, uma vez que nem todos os casos de intoxicação chegam aos órgãos de vigilância e controle.
A ingestão acidental ou intencional de metanol leva a intoxicações graves e potencialmente fatais. O cenário de adulteração é particularmente relevante do ponto de vista de saúde pública, pois episódios dessa natureza frequentemente resultam em surtos epidêmicos com múltiplos casos graves e elevada taxa de letalidade, afetando grupos populacionais vulneráveis e exigindo resposta rápida das autoridades sanitárias. Nesse sentido, requer alerta à população, considerando, inclusive, o início do fim de semana, quando há maior frequência a bares e consumo de bebidas alcoólicas.
SAR — O Sistema de Alerta Rápido sobre drogas do Brasil (SAR) é um subsistema do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas — Sisnad, gerenciado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad), vinculado ao Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid).”
Fonte: G1