Neste domingo, 5 de outubro, a Constituição Federal de 1988 completa 37 anos. Conhecida como “Constituição Cidadã”, ela representa o principal marco da redemocratização brasileira e sustenta as garantias fundamentais do país.
A Carta Magna nasceu após mais de duas décadas de ditadura militar. Em 1986, foram eleitos 559 parlamentares com a missão de compor a Assembleia Nacional Constituinte e redigir um novo pacto social dando voz às demandas represadas por liberdade, justiça e igualdade.
A Constituição de 1988 não é um documento estático. Nos últimos dez anos, por exemplo, o Brasil aprovou 53 emendas constitucionais, demonstrando a necessidade constante de adaptação às transformações sociais e econômicas, a saber:
Em 2015: a Inclusão do transporte público no rol de direitos sociais (EC 90);
Em 2016: a Criação do teto de gastos públicos (EC 95), marco na política fiscal;
Em 2019: a Reforma da Previdência (EC 103) e a criação das polícias penais (EC 104);
2020-2021: A pandemia impulsionou Emendas emergenciais incluindo regime fiscal extraordinário (EC 106), adiamento das eleições municipais (EC 107) e flexibilização de regras fiscais (EC 109)
Em 2022: a Proteção de dados pessoais como direito fundamental (EC 115) e a criação do piso salarial da enfermagem (EC 124)
Em 2023: a Reforma tributária (EC 132), a mais ampla desde 1988
Em 2024: as Mudanças nas regras de eleição dos tribunais (EC 134)
É bem verdade que nem todas as emendas são consensuais. A EC 136, por exemplo, que alterou as regras de pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União, estados, DF e municípios), provocou forte reação. A OAB acionou o STF argumentando que a emenda viola direitos de credores e compromete a efetividade das decisões judiciais. Para a entidade, os novos limites e prazos configuram inadimplência institucionalizada e afrontam a coisa julgada e o direito de propriedade. Entidades de credores também criticaram duramente a medida, alegando que o escalonamento desvaloriza créditos já reconhecidos judicialmente.
No entanto, passados 37 anos ainda há parte significativa da Constituição que aguarda regulamentação. Por isso, aqui e acolá o Supremo Tribunal Federal tem sido provocado a reconhecer omissões do Congresso Nacional em temas cruciais que dependem de lei para produzirem efeitos. Quando isso acontece não estamos diante de ativismo judicial, mesmo porque, como falei, o Judiciário nesses casos é provocado a agir. Boa parte da população não compreende isso ou é levada a acreditar que nesses casos o Judiciário torna-se indevidamente o protagonista, porém é preciso esclarecer que existe uma grande diferença entre o ativismo judicial e a judicialização das políticas públicas.
O ativismo judicial representa uma postura proativa do juiz que vai além da interpretação tradicional da lei, assumindo um papel mais criativo e expansivo, interferindo ativamente em políticas públicas sem ser provocado ou extrapolando os limites da demanda. O juiz decide, então, invadindo a competência dos outros poderes.
A judicialização das políticas públicas, ao contrário, é um fenômeno social e político que acontece quando questões que tradicionalmente seriam decididas pelos poderes Legislativo e Executivo acabam sendo levadas ao Judiciário para resolução por omissão daqueles. Neste caso, a sociedade (cidadãos, grupos, organizações) leva suas demandas ao Judiciário por não conseguirem resolvê-las nas vias políticas normais, e por isso se diz o juiz é “provocado” a decidir.
De todo modo, enumero alguns exemplos recentes de omissões reconhecidas pelo STF para, quem sabe, despertar na população de modo geral e em nossos congressistas em particular, o alerta para o muito que devemos fazer, haja vista inúmeras promessas constitucionais textualizadas em 1988 ainda encontrarem-se esquecidas na folha do papel.
Representação política: Na ADO 38, o STF reconheceu a falta de lei complementar para atualizar a distribuição das cadeiras da Câmara dos Deputados (Art. 45, §1º). Após conceder prazo de dois anos sem resultado, o ministro Luiz Fux determinou em setembro de 2025 que as eleições de 2026 terão o mesmo número de deputados de 2022, com possível alteração apenas a partir de 2030.
Direitos trabalhistas pendentes:
• Em fevereiro de 2025 (ADO 85), foi reconhecida a omissão na regulamentação do direito de participação dos trabalhadores na gestão das empresas (Art. 7º, XI), com prazo de 24 meses para o Congresso agir
• Em maio de 2025 (ADO 82), o STF identificou omissão na tipificação penal da retenção dolosa de salários, estabelecendo prazo de 180 dias. O ministro Dias Toffoli ressaltou que o salário integra o patrimônio mínimo essencial dos trabalhadores e que esta omissão se arrasta há quase quatro décadas
• Em dezembro de 2023 (ADO 20), foi reconhecida a omissão na regulamentação da licença-paternidade (Art. 7º), que desde 1988 permanece restrita aos cinco dias da regra transitória. Prazo fixado: 18 meses
• Em junho de 2024 (ADO 74), o STF constatou a ausência de regulamentação do adicional para atividades penosas (Art. 7º, XXIII), concedendo 18 meses para a edição da lei
Proteção ambiental: Em junho de 2024 (ADO 63), o STF reconheceu omissão na edição de lei federal para preservação do Pantanal Mato-Grossense, fixando prazo de 18 meses.
Enfim, a Constituição de 1988 é um pacto inconcluso e ao completar 37 anos, precisamos tê-la como ponto central de nossa democracia. A data comemorativa de seu aniversário expõe uma verdade incômoda que motiva nossa reflexão: a cidadania plena depende do compromisso contínuo das instituições em transformar promessas constitucionais em realidade. Entre o texto e a prática, permanecem lacunas que cobram das instituições democráticas não apenas reverência ao passado, mas, sobretudo, responsabilidade com o presente e o futuro.