Em um Brasil que vacila em sua economia entre o otimismo frágil e o pânico fiscal, revisitar as ideias de Ludwig von Mises parece não apenas oportuno, mas urgente, já que parecem terem sido esquecidas pelo governo brasileiro.
Ludwig von Mises (1881–1973) foi um dos mais influentes economistas do século XX e um dos pilares da Escola Austríaca de Economia. Nascido no Império Austro-Húngaro, viveu entre guerras, revoluções e o avanço do totalitarismo, tornando-se uma das vozes mais firmes em defesa da liberdade individual, da propriedade privada e do livre mercado. Exilado do nazismo, estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde escreveu obras clássicas como “Ação Humana” e “Burocracia”.
Em 1959, já consagrado, condensou seu pensamento em uma série de palestras na Argentina, reunidas depois em: Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow – traduzido para “As Seis Lições”. Nesse período, o mundo ainda vivia sob a sombra das promessas socialistas e dos planos de desenvolvimento estatal que seduziam grande parte da América Latina. Suas palavras, soaram, à época, como uma advertência intelectual contra o caminho que muitos países da região insistiam em trilhar.
Sessenta e seis anos depois, suas lições permanecem atuais para compreender o labirinto econômico e moral em que o Brasil se encontra.
Diferente dos tecnicismos econômicos que se escondem atrás de gráficos e jargões, Mises fala a linguagem da razão humana e da experiência cotidiana. Cada lição — sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, inflação, investimento estrangeiro, política e ideias é uma janela para entender não apenas os mecanismos da economia, mas o drama civilizacional entre liberdade e controle. E, quando olhamos para o Brasil, é impossível não perceber que seguimos tropeçando exatamente nas mesmas pedras que Mises já havia apontado há mais de meio século.
Mises inicia suas lições com uma defesa vigorosa do capitalismo. Não como um sistema de ganância ou de acumulação egoísta, mas como uma ordem de cooperação social baseada na propriedade privada. O mercado, em sua visão, é um processo dinâmico em que indivíduos livres trocam bens e serviços, coordenados por preços que refletem as preferências e escassez. É o oposto do que o senso comum brasileiro, impregnado de preconceitos ideológicos, costuma enxergar.
No Brasil, o capitalismo sempre foi um bode expiatório conveniente. Quando os preços sobem, culpa-se o “mercado”; quando o desemprego cresce, culpa-se o “neoliberalismo”; quando o Estado gasta demais, culpa-se a “falta de intervenção”. Mas o que chamamos de capitalismo brasileiro está mais para uma versão degenerada de “capitalismo de compadrio” — um sistema no qual a proximidade com o poder político define o sucesso, e não a eficiência ou o mérito.
Não por menos, ora ou outra vemos noticiar, que grandes empresas estão envolvidas em escândalos de corrupção.
Mises alertava que o verdadeiro capitalismo não pode conviver com o privilégio, pois o privilégio é o oposto da concorrência. No livre mercado, quem não serve bem o consumidor desaparece; sob o capitalismo de Estado, quem serve mal, mas tem amigos no governo, sobrevive à custa do contribuinte.
A segunda lição de Mises é talvez sua mais conhecida, a crítica ao socialismo e o chamado “problema do cálculo econômico”, já falei sobre isso nessa coluna, no texto intitulado: “Socialismo, Uma Receita Para o fracasso”. Voltando. Ele demonstrou que, sem preços formados livremente, é impossível saber quanto vale algo, quanto produzir e onde investir. A economia planejada é, portanto, uma ilusão matemática — uma tentativa de substituir milhões de decisões humanas por um punhado de ordens burocráticas.
Sabemos que o Brasil nunca foi formalmente socialista, mas vive sob uma mentalidade planificadora. Desde os tempos do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, passando pelos planos de estabilização da ditadura e pelas políticas industriais dos anos 2000, seguimos acreditando que o Estado pode “dirigir o desenvolvimento”. O resultado é conhecido: estatais ineficientes, subsídios bilionários, setores protegidos e uma economia que cresce menos do que o potencial real de seu povo.
Entre o capitalismo e o socialismo, há um terreno instável que Mises chamou de intervencionismo. Trata-se da crença de que é possível “corrigir” o mercado com pequenas doses de regulação, subsídios, controle de preços e crédito fácil, sem comprometer sua estrutura de funcionamento. Para Mises, isso é um erro fatal, pois cada intervenção gera novas distorções, exigindo novas intervenções, até que o sistema se torna inviável.
Nada descreve melhor a trajetória econômica brasileira. Cada vez que o governo tenta “corrigir” uma falha do mercado, cria uma falha maior. O congelamento de preços nos anos 80 gerou desabastecimento; o crédito subsidiado dos anos 2010 produziu inflação e endividamento; e o atual sistema de incentivos fiscais transformou-se em um labirinto de privilégios e exceções que consome o orçamento público.
O Brasil, insiste em ignorar, que o Estado não cria riqueza, apenas a redistribui, frequentemente em favor dos grupos mais próximos do poder. E quanto mais o Estado interfere, menos espaço resta para a liberdade individual e para a inovação. É por isso que o intervencionismo, mesmo quando bem-intencionado, termina por empobrecer as nações.
A quarta lição é uma das mais contundentes. A inflação é uma forma de confisco disfarçado. Ao emitir moeda sem lastro, o governo destrói o poder de compra do povo. E, como sempre acontece, os mais pobres — que não têm acesso a ativos de proteção — são os que mais sofrem.
O Brasil é um caso de reincidência monetária. Desde a década de 1940, alternamos entre períodos de inflação crônica e tentativas de estabilização. Mesmo após o Plano Real, o Estado brasileiro nunca aprendeu a viver com responsabilidade fiscal. Gasta-se mais do que se arrecada, e quando o déficit ameaça a estabilidade, recorre-se à desvalorização da moeda, ao aumento da carga tributária ou ao endividamento público.
Mises via na inflação não apenas um erro técnico, mas um ato moralmente condenável. Para ele, a estabilidade monetária é uma questão de honestidade. Um governo que imprime dinheiro para financiar seus déficits está, na prática, enganando seus cidadãos. E quando a confiança na moeda se perde, o que se instala é o caos social. O Brasil, que hoje convive com juros altíssimos e um Estado inchado, parece ainda não ter compreendido essa lição elementar.
Em sua quinta lição, Mises trata de um tema especialmente sensível para países latino-americanos: o investimento estrangeiro. Ele o via como um instrumento de progresso, e não de submissão. O capital internacional, ao buscar oportunidades, traz consigo tecnologia, conhecimento e empregos. Fechar as portas ao investimento externo, advertia Mises, é condenar-se ao atraso.
No Brasil, o discurso da soberania econômica muitas vezes serve como cortina de fumaça para o protecionismo e a ineficiência. Por décadas, alimentamos a fantasia de que “nacionalizar” era sinônimo de desenvolver. O resultado foi o isolamento competitivo, a perda de produtividade e uma indústria obsoleta. Em vez de atrair investidores, preferimos criar barreiras e burocracias.
A última lição de Mises talvez seja a mais filosófica — e a mais negligenciada. Ele afirmava que “toda política econômica é, antes de tudo, uma política de ideias”. As leis, os orçamentos e as reformas são apenas a ponta visível de uma estrutura intelectual que define o que a sociedade acredita ser possível ou desejável. Em outras palavras, as crises econômicas são precedidas por crises de pensamento.
O Brasil sofre precisamente disso, uma crise de ideias. De um lado, a velha crença de que o Estado é o motor da economia; de outro, a desconfiança permanente em relação à livre iniciativa. Entre ambos, uma classe política que explora o medo e a ignorância econômica para perpetuar seu poder. Mises advertia que, enquanto as ideias socialistas ou intervencionistas continuarem dominando as universidades, a mídia e os discursos oficiais, a liberdade econômica estará sempre ameaçada. “A luta pela liberdade é, em última análise, uma luta de ideias”, escreveu ele.
No Brasil, essa luta está longe de terminar. Falar em privatizações, reforma tributária liberal ou redução do Estado ainda soa herético em muitos círculos. A consequência é um país que cresce pouco, tributa muito e distribui mal. O que Mises chamava de “ordem espontânea” — a coordenação natural dos indivíduos em busca de seus próprios fins — continua sufocada por uma máquina burocrática que tudo quer regular e controlar.
Em última instância, as lições de Mises são lições de humildade. Ele nos lembra que nenhum homem, por mais sábio ou poderoso que seja, pode substituir o conhecimento disperso de milhões de indivíduos livres. E que toda tentativa de fazê-lo termina, invariavelmente, em escassez, pobreza e tirania.
O Brasil tem diante de si uma escolha. Pode continuar insistindo na fantasia do Estado onipotente — e colher mais do mesmo atraso —, ou pode finalmente ouvir o eco das palavras de Mises e libertar sua economia da tutela política. Uma coisa é certa. Se nada for feito, o colapso econômico é iminente.