O Brasil vive hoje um fenômeno institucional que já ultrapassou o campo da preocupação e entrou, sem cerimônia, no terreno do escândalo. A consolidação de uma casta de autoridades que se coloca acima da lei, acima da Constituição e, mais grave ainda, acima do próprio Povo. Essa casta tem nome, endereço e poder para transformar o país conforme sua vontade, chama-se Supremo Tribunal Federal.
Durante anos, alimentou-se a fantasia de que o STF seria a última trincheira da República, o guardião sereno da Constituição, o árbitro imparcial entre os Poderes. O discurso era eloquente, mas serviu apenas como verniz. A realidade, cada vez mais clara, mostra uma Corte que age como protagonista político, legisla sem ser Parlamento, governa sem ser Executivo e se protege como se fosse uma monarquia togada.
A decisão recente do ministro Gilmar Mendes é apenas mais um capítulo dessa escalada de poder absoluto. A liminar que mutila a Lei nº 1.079/1950, retirando do cidadão o direito de denunciar ministros do próprio Supremo por crimes de responsabilidade, é uma agressão direta ao Estado Democrático de Direito. Não há expressão mais branda ou cortês para descrever o que ocorreu, foi um ato de autoproteção ilegal, inconstitucional e antirrepublicano.
Gilmar Mendes decidiu, sozinho, que o povo não pode mais acusar ministros do Supremo. Decidiu, sozinho, que somente a PGR pode fazê-lo. Decidiu, sozinho, que o Senado deve cumprir um quórum impossível, criado por ele mesmo, para sequer admitir essas denúncias.
É a Suprema Corte, ou melhor, um supremo indivíduo legislando em causa própria, sob o pretexto de “proteger a estabilidade institucional”. Na prática, o ministro reinterpretou a lei para blindar a si mesmo e seus colegas. Não há justificativa técnica, jurídica ou moral que sustente essa distorção. Foi um ato de poder puro, sem limitações.
A Lei nº 1.079 foi criada em 1950 para garantir que nenhuma autoridade, por mais alta que fosse, pudesse se esconder atrás da toga. Gilmar, porém, decidiu que o cidadão não deve sequer ter o direito de denunciar um ministro que eventualmente abuse do cargo. Ao fazer isso, não protegeu a democracia, protegeu os seus.
Quando um ministro altera uma lei por vontade pessoal, não está interpretando a Constituição, está governando. E quando governa em benefício próprio, rompe-se o pacto republicano de forma irreversível.
A liminar deferida não foi um ato jurídico, mas sim uma reforma política. Ele reescreveu a lei, reconfigurou o processo, mudou o quórum e centralizou a chave da responsabilização nas mãos de um único ator institucional que, historicamente, não confronta o Supremo, a Procuradoria Geral da República.
O resultado é óbvio, acabou o impeachment de ministro do STF no Brasil. O mecanismo existe no papel, mas morreu na prática. É fantasia, ficção jurídica, um adorno constitucional sem vida.
E essa não é a única facada no princípio republicano. No caso do Banco Master, o ministro Dias Toffoli fez algo igualmente grave, decretou sigilo total em um processo de interesse nacional. Não parcial. Não temporário. Total.
O sigilo absoluto é o contrário da Constituição. A regra é a publicidade; o sigilo é exceção. Toffoli fez da exceção a regra e da regra, um detalhe incômodo.
Por que esconder um processo que envolve um banco que pode ter dado o maior golpe financeiro da história do país? Por que o povo brasileiro não pode saber o que se passa? Não há resposta institucional honesta que justifique esse comportamento. O que existe é um padrão, o STF escolhe quando ser transparente e quando ser opaco, e quase sempre em benefício dos seus e dos círculos que orbitam a Corte.
Outro caso recente e emblemático, foi a prisão de Jair Bolsonaro. Não se trata de inocentar o ex-presidente nem de ignorar acusações. Trata-se de reconhecer que o STF simplesmente ignorou a Constituição ao puxar para si um processo que deveria estar na primeira instância. Ex-presidentes não têm foro privilegiado. Isso está escrito. Está claro. Está pacificado.
Mas, para o Supremo, quando o réu é Bolsonaro, a regra vira sugestão. O tribunal criou uma teoria de competência sob medida, reinterpretou conexões processuais inexistentes e manteve tudo sob seu controle. Uma distorção jurídica grotesca, digna de regimes onde a lei é dobrada conforme o humor do poder.
E a prisão? Decretada de forma espetacular, politicamente conveniente, juridicamente duvidosa. Com uma única marca indelével, foi o STF julgando um adversário político num processo que não era seu.
O Supremo, que deveria ser árbitro, tornou-se jogador — e dos mais influentes. Cada decisão monocrática transforma um ministro em legislador, investigador, censor, guardião e beneficiário ao mesmo tempo.
A Corte age como Congresso, ao reescrever leis; Executivo, ao conduzir investigações e políticas públicas; Ministério da Justiça, ao perseguir determinados alvos; Ministério da Defesa, ao interferir em dinâmicas militares; Autoridade moral suprema, que decide o que é verdade, o que é mentira e quem merece ser punido.
E quando é chamada a responder por seus atos? A resposta vem sempre no mesmo pacote: “ataques à democracia”, “extremismo”, “desinformação” — como se a crítica fosse um crime e os ministros, seres sagrados acima do debate público.
Hoje, o STF parece acreditar que nunca erra, nunca exagera, nunca ultrapassa seus limites e que nunca deve explicação. E quando alguém ousa apontar abusos, é taxado como inimigo das instituições. É a tática perfeita para deslegitimar o contraditório e evitar qualquer forma de controle externo.
Ministros do Supremo transformaram a crítica em heresia. E quem se comporta como divindade tende a esquecer que é servidor público — não monarca, não líder religioso, não soberano.
O conjunto dessas decisões, Gilmar, Toffoli, Alexandre de Moraes, todos eles, revela algo que não podemos mais fingir não ver. O Supremo criou para si mesmo uma redoma de impunidade. Eles podem tudo, desde mudar leis monocraticamente até censurar conteúdos e julgar casos que não lhe compete.
Esse é o ponto final da distorção institucional brasileira “os juízes que julgam todos não podem ser julgados por ninguém”. São, literalmente, “Os Intocáveis”.
Uma democracia não é sustentada apenas por votos. Ela depende de limites, de mecanismos de freios e contrapesos. Quando um Poder pode tudo, inclusive ressignificar a Constituição, não estamos mais falando de democracia, estamos falando de um regime controlado por uma elite institucional que não presta contas a ninguém.
Gilmar Mendes, ao retirar do povo o direito de denunciar ministros, simplesmente oficializou a blindagem. Toffoli, ao impor sigilo total, oficializou a escuridão. E o tribunal, ao julgar quem não deveria julgar, oficializou a expansão ilimitada de seus próprios domínios.
O STF já não é mais um componente do Poder da República, ele é “o Superpoder*”.
E um Superpoder sem freios não protege a democracia, pelo contrário, ameaça-a. Pois não existe Estado Democrático de Direito se agentes públicos se tratam como autoridade suprema intocável; se decisões monocráticas governam o país; se a lei é adaptada conforme a necessidade de blindagem; se os sigilos são decretados para esconder o que interessa; se a Constituição se torna maleável para acomodar vontades políticas e; se o cidadão é impedido de fiscalizar qualquer Poder da República.
O STF falhou com o Brasil.
Agora, o Brasil precisa reagir. Porque nenhuma democracia sobrevive quando seus guardiões se tornam seus algozes. Reage Brasil!

