O Filho comprara a Árvore para substituir a de natais passados, cujos galhos de arame já estavam quase nus em suas ramas artificiais. E foi assim que a Árvore nova chegou com enorme antecedência. Pai e Mãe haviam se disposto a viajar em Outubro para o Norte. Iam a Belém do Pará participar do Círio de Nazaré. Foi essa viajem dos pais que motivou o Filho à compra precoce da nova decoração de Natal. Mercê disso, a Árvore chegou antes de Outubro. Toda apertadinha numa caixa comprida, ansiava por esticar seus galhos, ocupando sobranceira lugar de honra na sala de estar. Arma-la, nela entrelaçando os fios com as luzinhas; pendurando as bolas; os laçarotes; as bengalas imitando alcaçuz; as estrelinhas; os papais-noel. Tudo se resumindo numa harmonia que dava gosto de ver: a Árvore ficou linda!
Os pais viajaram. O Filho, orgulhoso da decoração natalina temporã, ficou sozinho no apartamento, este que de repente parecera ficar grande demais, cheio de ecos, vazio de gente, repleto de saudade.
Não se dera conta o Filho de que a Árvore magicamente ganhara vida própria. Quando a casa ia dormir, o Filho desligava as luzinhas da decoração natalina, fiel ao que sempre lhe recomendava a Mãe.
No apartamento silente e escuro, a iluminação de Natal, acendia sozinha. A Árvore se sacudia faceira de seu protagonismo como peça principal. Como que ensaiando gestos de dança, motivada pela memória remota de pinheiros vivos cujas ramadas, em meio às rajadas de vento na tundra, dançavam graciosamente.
Sabia a Árvore que duraria montada até o fim da quadra natalina; que, no início de Janeiro; voltaria à embalagem, para o sono do qual só despertaria lá pelo fim do ano. Mas – ai! – o homem põe, Deus dispõe. Pai e Mãe tencionavam voltar para casa ainda no decorrer de Outubro, três semanas depois do Círio de Nazaré. A Mãe, todavia, foi acometida de grave problema de saúde que impôs ao casal permanecer no Norte por tempo indeterminado.
Ao Filho, a Árvore fazia fiel e constante companhia. Mantê-la de pé, toda ornamentada, assim como conservar a casa decorada, fez com que o Filho tivesse mitigada a tristeza que sentia de permanecer longe de seus pais. De modo que passou a quadra natalina, e a Árvore ficara de pé. Passaram réveillon, carnaval, aniversários de cada um dos três, Filho, Mãe e Pai, nessa ordem, muitas datas festivas outras, e nada da família poder voltar a se constituir naquela trindade, para eles, sagrada.
E assim a Árvore foi mudando: virou Árvore de Ano Novo; Árvore do Dia de Reis, Árvore do Aniversário da Mãe, Árvore do Carnaval, Árvore do Aniversário do Pai, Árvore da Quaresma.
Nos dias correntes, pelos cristãos chamados de Semana Santa, celebra-se a paixão, morte e ressurreição de Cristo Jesus. Sexta-feira, após a paixão, o martírio, a infame morte pela cruz. Sábado – aleluia! – o Filho do Homem ressurge dos mortos. Domingo, a Páscoa, com direito à bulícia das crianças na caça aos ovos trazidos pelo coelhinho.
Nesse domingo iluminado, a Árvore – que já foi de tanta coisa – será a Árvore da Páscoa. Porém, no dia do martírio e morte de Jesus; naquela noite da Sexta-Feira, a Árvore ainda não será de Páscoa, nem se iluminará naquela noite triste. Em vez de pinheiro com galhos dançantes em meio à tundra, sacudidos pelo vento brincalhão, a Árvore, tocada pela tragédia do Nazareno, vai permanecer quietinha, encolhida, tristonha. De pinheiro dançarino, a Árvore passará a noite da Sexta-Feira Santa transformada em um salgueiro chorão.
Belém do Pará, 3 de Abril de 2023.