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A recente decisão monocrática proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a assistolia fetal em casos de aborto legal, suscita uma reflexão crítica acerca dos limites da atuação do Poder Judiciário e o respeito à separação dos poderes instituída pela Constituição Federal. Esta intervenção, além de polêmica, levanta questões jurídicas fundamentais sobre o papel do STF e a sua relação com o Legislativo e o Executivo.
Contexto da decisão e fundamentos legais
A resolução do CFM, agora suspensa, proibia a realização da assistolia fetal em abortos legais após 22 semanas de gestação. Este procedimento, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), consiste na indução da parada cardíaca do feto antes da retirada do útero por meio de injeção de cloreto de potássio diretamente no coração na criança em formação, sendo considerado uma prática proibida até mesmo em animais, por ser considerada torturante e extremamente dolorosa. Lembrando que em uma criança no útero com 22 semanas todo o sistema nervoso já está formado, desta forma, já sente dores e se contorce ao se sentir desconfortável.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questionou a norma no STF, argumentando que a proibição imposta pelo CFM criava barreiras não previstas na lei e violava direitos constitucionais, como o direito à saúde, ao livre exercício da profissão e à dignidade da pessoa humana. Em resposta, o Ministro Alexandre de Moraes concedeu uma liminar suspendendo a resolução, justificando que havia indícios de que a norma do CFM extrapolava os limites da legislação vigente e se afastava dos padrões científicos internacionais.
A interferência judicial e a separação dos poderes
Atualmente, Câmara e Senado têm 195 propostas relacionadas ao tema do aborto em tramitação. A maioria dessas propostas visa introduzir novas restrições ao aborto, além das regras já existentes, que permitem o procedimento apenas em casos de risco para a mãe, anencefalia do embrião ou gravidez decorrente de estupro. Contrariando tudo e todos, essa decisão monocrática ignorou toda essa complexa discussão nas casas de leis, atropelou o congresso nacional e impôs uma regra extremamente contrária ao rumo dos projetos de leis sobre esse tema. A decisão do Ministro Moraes, ainda que embasada em uma interpretação extremada de suposta “proteção de direitos fundamentais”, representa um exemplo claro de ativismo judicial, onde o Judiciário assume um papel protagonista, não garantido pela Constituição Federal que extrapola seus limites de atuação em questões que deveriam ser debatidas e decididas no âmbito do Poder Legislativo. A Constituição Federal de 1988 delineia claramente a separação dos poderes e as respectivas atribuições de cada um no artigo 2º da Constituição estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A intervenção judicial em temas complexos e sensíveis como o aborto, que envolve profundas questões éticas, morais e sociais, deve ser exercida com extrema cautela. A legislação brasileira sobre o aborto é restrita e sujeita a intensos debates no Congresso Nacional, foro adequado para a discussão democrática de tais temas. Quando o Judiciário se antecipa ao Legislativo, ainda que com a intenção de “proteger direitos fundamentais”, corre o risco de usurpar competências que não lhe são conferidas, criando precedentes perigosos para a democracia e o pleno funcionamento do Estado de Direito.
Precedentes e limitações do poder judiciário
O ativismo judicial, embora não seja um fenômeno novo, tem se intensificado nos últimos anos, com o STF tomando decisões que, em muitos casos, deveriam ser objeto de deliberação parlamentar. A suspensão da resolução do CFM, por meio de decisão monocrática, não apenas fere a independência do Legislativo, mas também desconsidera o princípio da colegialidade que deveria orientar as decisões do Supremo Tribunal Federal.
Outros casos emblemáticos de ativismo judicial incluem a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e a autorização do casamento homoafetivo, decisões que, embora progressistas, foram tomadas sem o devido e amplo debate parlamentar. O artigo 103 da Constituição Federal confere ao STF a competência para julgar a constitucionalidade das leis, mas não para legislar. Ou seja, o STF apenas esclarece ponto obscuro na lei e não pode “criar” uma nova lei. A interferência direta em regulamentações específicas, como a resolução do CFM, configura um excesso que compromete a separação dos poderes e que certamente terá consequências e desdobramentos complexos.
A decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, ao suspender a resolução do CFM, deve ser analisada com rigor e criticada pela comunidade jurídica e pela sociedade civil. A proteção dos direitos fundamentais é essencial, mas deve ser equilibrada com o respeito às atribuições de cada poder constituído. O Congresso Nacional, enquanto representante do povo, é o foro adequado para discutir e legislar sobre questões tão sensíveis quanto o aborto.
O ativismo judicial, quando desmedido, ameaça a harmonia entre os poderes e pode conduzir a um desequilíbrio institucional. É imperativo que o STF exerça sua função com prudência, respeitando os limites impostos pela Constituição e preservando a autonomia do Legislativo e do Executivo. A separação dos poderes é um pilar fundamental do Estado de Direito e deve ser rigorosamente observada para garantir a estabilidade e a legitimidade das instituições democráticas.
Limitação das decisões monocráticas do STF: um projeto de lei essencial para a estabilidade jurídica
O crescente ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) e a proliferação de decisões monocráticas têm sido fatores de significativa instabilidade jurídica no Brasil. Reconhecendo a necessidade de conter este fenômeno, o Senado Federal aprovou um projeto de lei que visa limitar o poder dos ministros do STF em proferir decisões individuais. Este projeto, que se encontra atualmente parado nas comissões da Câmara dos Deputados, representa um passo crucial para restabelecer o equilíbrio entre os poderes e assegurar a previsibilidade das normas jurídicas no país.
O PL 816/2021, foi aprovado no Senado Federal e agora está aguardando análise nas comissões da Câmara dos Deputados. Ele visa restringir a capacidade dos ministros do STF de tomarem decisões individuais, que muitas vezes têm impacto significativo na estabilidade jurídica do país. O autor deste projeto de lei é o senador Marcos do Val (Podemos-ES). Ele apresentou essa proposta como uma reação à decisão do ministro Edson Fachin, que declarou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente por foro territorial para julgar ações contra o ex-presidente Lula, e por conseguinte, acabou anulando as condenações de Lula. Quando o processo foi recomeçar do zero no juízo competente, no caso, São Paulo e Brasília, boa tarde das ações já estavam prescritas e Lula já tinha mais de 70 anos o que levou ao arquivamento de todas as demais ações.
De acordo com o texto do PL 816/2021, as decisões monocráticas dos ministros do STF e do STJ, quando decretarem a nulidade de atos praticados em processos penais, só terão eficácia após ratificação por órgão colegiado. Isso significa que essas decisões individuais precisariam ser confirmadas por um grupo de ministros, em vez de serem tomadas unilateralmente. Hoje mais de 85% das decisões tomadas no STF são feitas de forma monocrática.
Conteúdo e objetivos do Projeto de Lei
O projeto de lei aprovado pelo Senado busca regulamentar o alcance das decisões monocráticas dos ministros do STF, estabelecendo critérios mais rigorosos para sua emissão e prevendo prazos específicos para que essas decisões sejam submetidas ao colegiado. Entre os principais pontos do projeto, destacam-se:
a) Limitação das decisões monocráticas: O projeto restringe as situações em que um ministro pode tomar decisões individuais, reservando essa possibilidade apenas para casos de urgência extrema ou de evidente risco de dano irreparável.
b) Prazos para referendo pelo plenário: Estabelece um prazo máximo para que as decisões monocráticas sejam referendadas pelo plenário ou pelas turmas do STF, assegurando que decisões importantes passem pelo crivo coletivo do tribunal.
c) Justificação detalhada: Obriga os ministros a fundamentarem de forma detalhada as razões que justificam a adoção de decisões monocráticas, aumentando a transparência e a responsabilidade dos atos judiciais.
A importância do projeto para a segurança jurídica
A regulamentação das decisões monocráticas é essencial para a segurança jurídica, pois mitiga a incerteza decorrente de decisões judiciais individuais que muitas vezes afetam políticas públicas e direitos fundamentais. Garante mais legalidade às decisões, ao serem decididas de forma colegiada, ao invés da insegurança e suspeita que uma decisão individual carrega sobre os reais interesses que estão por detrás dessas decisões. O projeto de lei visa prevenir que um único ministro tenha o poder de alterar drasticamente a interpretação da lei ou suspender normas regulamentares sem um debate colegiado, garantindo assim maior estabilidade e previsibilidade no ordenamento jurídico.
Reflexões sobre o papel do STF e o equilíbrio institucional
A intervenção constante do STF em questões que deveriam ser resolvidas pelo Legislativo tem suscitado críticas quanto à judicialização da política. A promulgação do projeto de lei pelo Congresso Nacional é uma resposta necessária para restabelecer os limites entre os poderes e assegurar que o Judiciário cumpra seu papel constitucional sem extrapolar suas funções.
Decisões monocráticas, como a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a assistolia fetal, exemplificam os riscos associados ao exercício desmedido do poder individual dos ministros. Tais decisões, quando não fundamentadas em um processo coletivo e transparente, podem criar precedentes perigosos e provocar reações adversas na sociedade, alimentando a percepção de que o STF atua como um “superlegislador com poderes irrecorríveis”.
A tramitação do projeto na Câmara dos Deputados
O projeto de lei, embora aprovado no Senado, enfrenta desafios na Câmara dos Deputados. A tramitação lenta e a resistência de alguns parlamentares indicam a necessidade de um esforço concentrado para mobilizar apoio e garantir sua aprovação. A sociedade civil, os juristas e os movimentos sociais têm um papel crucial em pressionar os legisladores para que avancem na análise e aprovação do projeto.
A aprovação do projeto de lei que limita as decisões monocráticas dos ministros do STF é vital para assegurar que o tribunal opere dentro dos limites de suas atribuições constitucionais, promovendo um sistema de freios e contrapesos efetivo. É fundamental que o Congresso Nacional reconheça a importância dessa regulamentação para a manutenção da estabilidade jurídica e a preservação do Estado de Direito.
O projeto de lei que limita o poder dos ministros do STF em decisões monocráticas representa um marco na busca pelo equilíbrio entre os poderes no Brasil. Ao garantir que decisões relevantes passem pelo colegiado, o projeto promove maior transparência, responsabilidade e previsibilidade no sistema jurídico. A urgência de sua aprovação na Câmara dos Deputados não pode ser subestimada, pois a estabilidade jurídica e a harmonia entre os poderes são essenciais para a democracia e o desenvolvimento do país.
A limitação das decisões monocráticas é um passo necessário para conter o ativismo judicial desmedido e desenfreado para assegurar que o STF opere dentro dos parâmetros definidos pela Constituição. O Congresso Nacional deve agir com celeridade, firmeza e responsabilidade para aprovar este projeto, reforçando o compromisso com a separação dos poderes e a segurança jurídica que são pilares do nosso sistema democrático.
A decisão monocrática do STF sobre o aborto: Um perigoso precedente na separação dos poderes
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