Os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, apesar da enérgica reação das instituições, responsabilizando seus autores, deixou sequelas e viúvas no Brasil. Ainda há quem sustente, sem qualquer pudor, que os atos foram uma expressão da convivência democrática sem atentar para o seu conteúdo, já comprovado, de que se tratava de uma das fases do pretendido golpe de estado.
Se o golpe passou de raspão na cabeça do povo ainda não houve desistência de sua efetivação.
Sabe-se que uma das armas para a perpetração da tentativa de golpe foi o abuso na liberdade de expressão, vinda pelo fio condutor das redes sociais. A extrema-direita no Brasil abusou dos que eles denominam de liberdade de expressão. O Supremo Tribunal Federal foi o guardião de nossa democracia nesses tempos bicudos com seus erros e acertos punindo os infratores.
Semana passada, o bilionário Elon Musk resolveu, com seu estilo bufão, atirar novamente em um dos pilares da democracia, afirmando que se estava vivendo no Brasil uma ditadura da toga e que, doravante, não cumpriria mais ordem judicial, porquanto a liberdade expressão estava em agonia no solo brasileiro. Foi um delírio para as viúvas do golpe malsucedido de 8 de janeiro. Apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, de imediato, transformaram o Elon Musk em ídolo. O Ministro Alexandre de Moraes, alvo da verborragia do bilionário e dos militantes da tentativa de golpe, reagiu colocando-o como alvo de um dos processos que tramitam na Suprema Corte. A polêmica adquiriu foros de pauta nacional com grandes debates a respeito do tema.
Na verdade, o grande cerne dessa polêmica reside na compreensão do instituto da liberdade de expressão, como cânone constitucional, seu uso e a consequência de eventuais abusos. A maior parte da população, de fato, ignora os limites de qualquer direito. Não alcançam, por exemplo, que qualquer direito não é absoluto. Há limites para o seu exercício. A liberdade de expressão, como um direito de estatura constitucional, de igual forma, não é absoluto. Repugna ao direito, como princípio, o uso abusivo dessa graça estatal. Coibir o abuso da liberdade de expressão, de nenhuma maneira, se revela compatível com a ideia de censura rechaçada nas democracias. O abuso não se subsume ao conceito de fruição natural do direito de liberdade de expressão.
O grande desafio de nosso tempo é separar liberdade de pensamento que, segundo Sampaio Dória é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou que for, própria de cada indivíduo, da liberdade de informação jornalística, própria da imprensa. Embora ambas partam da liberdade opinião, esta entendida com a liberdade primária e ponto de partida das outras, não compõem a mesma realidade. A propósito da liberdade de imprensa, impõe-se reproduzir o dizer de Marx: “A imprensa livre é o olhar onipotente do povo a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria”. É a liberdade de imprensa que recebe a tutela da não-censura, sem se deixar de punir os abusos. Elon Musk confunde os conceitos e defende a liberdade total, sem qualquer tipo de barreira para conter os abusos para propagar, sobretudo, sua ideologia. Erra muito nessa confusão conceitual.