Uma batalha hercúlea, confesso. Quando começo a esmorecer na luta para controlar a supermãe que todas temos dentro de nós, lembro logo da frase, hoje absolutamente clara. Se eu fiz o meu trabalho direito, tenho que me tornar desnecessária.
Antes que alguma mãe apressada me acuse de desamor, explico o que significa isso.
Ser “desnecessária” é não deixar que o amor incondicional de mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos, como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros
também.
A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão umbilical. A cada nova fase, uma nova perda é um novo ganho, para os dois lados, mãe e filho. Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse vínculo não pára de se transformar ao longo da vida. Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família e recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, com o peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis. Pai e mãe – solidários – criam filhos para serem livres.
Esse é o maior desafio e a principal missão. Ao aprendermos a ser “desnecessários”, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar.
O modelo de maternidade perfeita, com aquela cena da família sempre feliz, com os filhos arrumadinhos e comportados, mães e pais radiantes e uma casa toda organizada é cada vez mais incomum. As pessoas já não compram mais esse ideal como antes e a maternidade perfeita se mostrou um caminho inalcançável, e nesse trajeto muitas pessoas acabam se desgastando e frustrando.
Um termo que tem se tornado cada vez mais difundido é o da mãe suficientemente boa. O conceito foi apresentado pela primeira vez pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, também defensor do brincar como meio terapêutico para as crianças. Sua teoria sugere que quando a mãe tenta ser perfeita acaba sofrendo mais do que deveria, pois suas expectativas acabam sendo frustradas.
“O processo de se tornar uma mãe suficiente acontece ao longo do tempo e encontrando a suficiência as mães também encontrarão a tranquilidade na maternidade”, diz Mônica Pessanha, psicanalista de crianças e adolescentes e palestrante.
A psicanalista explica que tentamos estar disponível constantemente e responder imediatamente nossos filhos quando eles são bebês e isso é importante para que eles se sintam seguros e amados. Mas também dá a sensação ao bebê de que a mãe é uma extensão sua e que é ela quem supre suas necessidades. Quando a mãe mostra ao filho que cada um é uma pessoa, isso gera uma frustração natural na criança. A mãe suficientemente boa é aquela que frustra o filho ao mostrar que ele não terá seus desejos atendidos imediatamente, mas que também mostra que existe um tempo de espera e um limite e que ele não é sua extensão. Fazendo isso com a criança ainda pequena, a mãe está ajudando a se tornar uma pessoa resiliente.
A culpa…
“A maternidade é feita de aventuras, emoções, risos, lágrimas e de lições também. A mãe suficiente consegue dar um significado positivo para a falha porque ela sabe que pode tentar de novo”, explica a psicanalista. Portanto, nem assim a culpa deixará de existir, mas o sentimento de ter falhado pode ganhar um novo significado, cada vez mais leve.
E o pai?
Os pais, tão responsáveis pela criação dos filhos quanto as mães, também sentem o peso da cobrança pela perfeição e a culpa. A diferença está na intensidade do sentimento. “A função do pai, além de uma participação ativa na vida dos filhos, é também de promover segurança emocional para a mãe, para que ela tenha confiança em sua maternidade”, explica Mônica.
Mães e pais suficientemente bons
Tanto a maternidade, quanto a paternidade são reflexos vividos na nossa infância, nossas lembranças, experiências e interpretações. E à medida em que exploramos nosso autoconhecimento e percebemos comportamentos nossos que são, na verdade, um reflexo do que vivemos na nossa infância, fica mais fácil trabalhar naquilo para não repetir certas ações e falas com nossos pequenos e, assim, construir uma nova realidade.
“Algumas mães e alguns pais, sem perceber, podem superproteger os filhos, por exemplo, porque de alguma forma não foram protegidos na infância. Esses comportamentos podem ser cortados para que gerações futuras se formem. E é justamente esse o propósito da oficina que trabalho, lá conseguimos trabalhar essas questões mais profundas e explorar novos caminhos“, explica a psicanalista.
https://leiturinha.com.br/blog/mae-suficientemente-boa-entenda-esse-termo/
https://www.geledes.org.br/a-mae-desnecessaria/