Todos acreditavam que a Terra era o centro do Universo, até que Galileu Galilei indicou que o Sol era o centro do nosso Sistema Solar e que a Terra e os demais planetas se moviam ao seu redor.
Sua teoria foi investigada pela Inquisição, em 1.615, que o forçou a se retratar e a passar o resto da vida em prisão domiciliar.
A sua liberdade foi aprisionada, mas não os seus pensamentos, tendo expressado as suas teorias em livros que circularam pelo mundo, apesar de incluídos na relação dos que estavam proibidos.
Sua opinião científica elevou-se diante da potência da Igreja e revolucionou crenças há muito arraigadas.
Somente em 1.983 foi absolvido.
Foram necessários quase 300 anos para que o peso da condenação fosse retirado do seu nome e da sua alma.
O seu julgamento é exemplo da opressão.
Foi condenado pelo preconceito contra o novo e por dogmas histórico-religiosos, somados a correntes de pensamento que estavam contaminadas por defesa ideológica. Não foi o único.
Recentemente, consta que os livros de Harry Potter sofreram restrições nos Emirados Árabes e que Alice no País das Maravilhas foi proibido na China.
Nos palanques citam-se frases de efeito e nomes de autores, para soarem eloquentes os discursos retrógrados.
Gandhi é referência para enaltecer a paz, enquanto se fomenta a discórdia.
Falamos em democracia, enquanto somos capazes de atos antidemocráticos para defendê-la.
A verdade é que os seres humanos têm atitudes que nem sempre coincidem com os discursos progressistas e em prol da liberdade de pensamento, opinião e o livre agir.
Paradoxos inexplicáveis, dos complexos comportamentos humanos.
Chocou o mundo aquela imagem do cidadão em frente ao tanque de guerra, nos eventos da Praça da Paz Celestial, na China.
Simbolicamente, quantos de nós já não se colocou em frente aos tanques, mundo afora?
Em diversos momentos tivemos oportunidade de ousar sustentar as nossas ideias e pensamentos e fazer prova empírica das nossas teorias e princípios, ainda defendendo ética e moral diante de veleidades cotidianas.
Todos já tivemos oportunidade de agir como David, em frente ao gigante Golias.
Em anos recentes, tivemos a Primavera Árabe; as ruas lotadas em 2.013, no Brasil; o Maiden ou Primavera Ucraniana, em 2.014; Paris 1.968; os movimentos pelos Direitos Civis e contra a Guerra do Vietnã, nos EUA; a Revolução Francesa; a Guerra Civil americana e o processo de Independência dos EUA, dentre tantos outros acontecimentos que marcaram a história da humanidade e giraram em torno de novos padrões de pensamento e de atitude.
Quantos se acovardaram quando chegou a hora de ser heróis?
Quantos supostos heróis foram menos do que os verdadeiros heroicos combatentes?
Quanta glória foi derramada sobre ícones enquanto os verdadeiros guerreiros convalesciam nas enfermarias?
O exercício do Poder tem a capacidade de tirar o melhor e o pior das pessoas a quem se dirige.
Altruístas gestos são capazes de salvar milhares de vidas, concorrendo com outros, que levam ao fosso as almas outrora iluminadas dos idealistas e matam as ideias vicejantes.
O Poder é potência de força e, por isso mesmo, deve ser exercido com parcimônia, para não oprimir.
Poder não é só para tornar as pessoas submissas e submetê-las à coerção e opressão. O Poder não é só para ser exercido com fins de causar e alimentar tensão e violência psicológica ou física. O Poder não deve ser exercido, também, para deixar vivos os seres humanos e mortas a vivacidade das suas almas.
O Poder duradouro e estável é aquele a quem se reconhece legitimidade para o seu exercício, o que é muito mais e além do que a mera legitimidade da investidura nos cargos e funções.
O Poder magnânimo é aquele que é exercido com todo o rigor da vontade da Constituição Federal e das leis, votadas pelos representantes do povo, no Poder Legislativo.
Todo ato de exercício de Poder que raspe nesse muro divisor, entre o constitucional e legal e o arbítrio, é motivo de resistência e questionamento.
A Resistência Civil à legitimidade dos atos dos poderosos encontra amparo na Constituição Federal, que admite outros que não expressa, como textualmente declara o seu art. 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais”… Também se qualifica por inovadores pensamentos, como nos mostra o alemão Robert Alexy e a sua Teoria dos Direitos Fundamentais.
Acima das ideias partidas, das opiniões pessoais, da lógica do jogo democrático eleitoral, dos limites ao exercício do Poder e do acesso aos cargos onde se os exercita, precisamos compreender que o Poder tende a vocalizar no megafone a sua verdade e a oprimir os que eventualmente dela discordem.
Até a liberdade concedida pelo Poder é reflexo da sua força e o fortalece.
O Poder tem a tendência de “proibir o conhecimento” e de reprimir “a natureza, os instintos, uma classe, os indivíduos”, como dizia Michel Foucault.
A manipulação do Poder é tão grande que até a pobreza é objeto de resignação e assimilada como “um estilo de vida”, como diz Byung-Chul Han.
Por isso a liberdade de opinião é tão importante, na vida em sociedade.
Se não se consegue dizer a pureza do pensamento, por que pensar?
Quando não podemos falar sobre a nossa condição, que liberdade temos para vocalizar os nossos pensamentos?
Se entendermos tão restritivamente a liberdade de pensamento, a ponto de criarmos um fosso com a liberdade de expressão, construiremos a plenitude da individualidade humana apenas dentro da mente de cada um e deixaremos os nossos sentidos ser tolhidos, no seu exercício, pelos déspotas de plantão.
Tudo passa, menos a oportunidade de se construir novos caminhos.
O que seria da humanidade sem as ações e palavras de tantos, que se posicionaram contra os opressores e poderosos? Sem movimentos de resistência contra o Poder da época, viveríamos ainda nas trevas do tempo em que Roma perseguia os primeiros cristãos, não teríamos a independência da Índia, a origem do Habeas Corpus, o Direito de Defesa em todos os processos, a livre iniciativa e o livre comércio, a descoberta dos antibióticos e do Raio X e a construção dos princípios e valores democráticos que tantos dizem defender ou acreditar, embora práticas nem sempre correspondam às palavras.
Que não deixemos falecer a nossa liberdade de ter opinião sobre tudo, pois não se trata da individualidade de cada um e sim da vida da sociedade livre, que precisa progredir constantemente para existir como tal e, para isso, deve fazer metamorfose de si mesma e não ter a “velha opinião formada sobre tudo”, como desafiava Raul Seixas.
E que, no fim, não sejamos condenados a ficar 300 anos aguardando que os que nos condenaram a não pensar e agir reconheçam que estavam errados. A humanidade não dispõe de todo esse tempo.