É do domínio público que o saudoso e talentoso Jamelão, intérprete da Mangueira, com sua rabugice tolerada, detestava que o chamassem de “puxador” de samba. A resposta ao insulto vinha, em espasmo de raiva, com a mais refinada grosseria que Jamelão poderia produzir. Essa sua postura criou uma corrente vibracional que influenciou quase todos os intérpretes de sambas de enredo que, doravante, não mais aceitavam serem chamados de “puxadores”. Quinho do Salgueiro foi diferente, certa vez, um repórter se autocorrigiu, após chamá-lo de “puxador” de samba e logo se desculpou chamando-o de intérprete. Quinho do Salgueiro, então, o advertiu que estava correto ao chamá-lo de “puxador” de samba, porque intérprete era Jamelão. Segundo ele, Jamelão tinha virtude e atributos musicais para reivindicar ser chamado de intérprete, já ele, não. Contudo, não fez isso à toa. Fez a afirmação lastreada no autoconhecimento, porque sabia o que realmente era.
A psicologia sustenta que o autoconhecimento é o pilar de qualquer terapia. Diz, ainda, que é impossível o desenvolvimento humano sem o conhecimento de si mesmo. No campo da filosofia, o pensamento socrático ensina que o autoconhecimento é o ponto de partida para qualquer conhecimento. Quinho do Salgueiro, com as suas subidas e descidas do morro, por conhecimento empírico, também revelou, ao admitir que não era intérprete de samba dentro do conceito preconizado de Jamelão, que tinha consciência de suas habilidades musicais e, por conseguinte, de sua própria vida. Sua resposta ao repórter, aparentemente enviesada, traduzia-se naquilo que Sócrates afirmava como virtude de qualquer homem que é a consciência da própria ignorância. Esse é o legado de Quinho do Salgueiro, mais profundo que suas habilidades musicais e seus gritos de guerra.
De fato, nosso dia a dia está recheado de pessoas que por falta de autoconhecimento acham que são intérpretes quando, na verdade, são reles puxadores. No campo político, há uma profusão de exemplos. Há políticos que são excelentes agentes persuasores e por isso ganham eleições. Todavia, no campo prático, são maus executivos ou parlamentares. Suas atuações pífias, que repercutem na vida das pessoas, deveriam, por processos de autoconhecimento, recomendar suas saídas da vida pública pelo péssimo desempenho. No entanto, se acham intérpretes do povo e não puxadores da miséria social. Essa pose de intérprete dos puxadores da miséria social só se cura com processos intensos de autoconhecimento, desiderato que nenhum político se propõe. Morrerão achando que são intérpretes do povo, verdadeiros jamelões da vida cotidiana, quando, na verdade, são execráveis puxadores querequequé da miséria social. Como diria Quinho do Salgueiro: “Arrepia que eu quero ver!”