No início da década de 70, iniciei meus estudos no antigo primário em uma escola municipal da periferia. Os primeiros dias de aula, como se sabe, sempre tem o encanto das primeiras conexões interalunos que se processa no ambiente escolar. É nesse cenário que começa a fecundar nos indivíduos as noções básicas de individualidade. Cada aluno tem uma história diferente. Quando se trata de periferia a única coisa comum é a origem humilde de quase todos. Todavia, há exceções, algumas reais, outras imaginárias. Elson, um dos alunos, representava a típica exceção imaginária. Para os padrões da maioria dos alunos era um pouco diferente: alto, olhos claros, cabelos louros, branco e com uma boa aparência, Elson era o protótipo da diferença. Aproveitava seu diferencial para esnobar de seus colegas com gestos e palavras humilhantes. Algumas vezes usava da violência contra aqueles que resistiam as suas provocações diárias.
Com seu comportamento esnobe e agressivo, Elson começou a ficar famoso na escola e frequentar assiduamente a diretoria sempre como autor de alguma indisciplina. Contudo, nada freava sua vocação para humilhar e até agredir colegas. Sempre voltava das admoestações da diretoria da escola ainda mais seguro para perpetrar suas indisciplinas. Mesmo com sua boa aparência, com cara de filhinho de papai, Elson era odiado pelas meninas da escola. Seu comportamento irrequieto começou a fomentar em seus colegas a curiosidade por sua origem. Todos queriam saber, de fato, quem era Elson, sua família, sua residência, seus amigos e por que havia escolhido uma escola de pessoas humildes. As informações sobre Elson eram escassas. Certo dia, seus pais foram chamados pela direção da escola. Foi aí que começou a desgraça de Elson.
De família humilde, de condições financeiras precárias, moradia ruim, Elson desafiava seu modus vivendi protagonizando um personagem irreal. Era um verdadeiro poser, fingindo ser aquilo que verdadeiramente não era. A informação de que Elson era portador de um desvio de personalidade correu rápido nos corredores da escola. As pilhérias e provocações de Elson começaram a ser rebatidas com veemência por toda a comunidade escolar. Os meninos começaram a enfrentá-lo e desafiá-lo. Sua boçalidade caíra em ruína. Nunca mais Elson fora o mesmo. Elson concluiu o primário sem exercer o protagonismo inicial de arrogância e prepotência. Até sua reconhecida boa aparência foi ofuscada pelo comportamento fantasioso e doentio. Ninguém nutriu por Elson, diante do infortúnio, um sentimento de compaixão, mesmo quando se derreteu em lágrimas contando sua verdadeira história.
A síndrome de Elson está viva. No cenário político ela tem aparecido com muita frequência. Quantos políticos não ostentam predicados que lhes são alheios. Há os que se dizem moralmente retos, patriotas, prestigiadores dos valores da família, adeptos da meritocracia e adoradores de Deus quando, na verdade, são a própria negação dos atributos que dizem possuir. São moralmente reprováveis, traidores da pátria, violadores contumazes dos valores familiares, oportunistas e agentes que afrontam os mandamentos divinos. Como diz um político influente quando se depara com a hipocrisia: são verdadeiras fachadas de igreja e fundo de cabaré. Tal qual Elson, um dia serão desmascarados pela palavra viva da realidade. A síndrome de Elson, felizmente, não resiste a verdade.