Imaginemos o seguinte quadro:
Algumas pessoas por conta própria começam a aproveitar parte do espaço de seus quintais e/ou do telhado de suas casas para plantar verduras e hortaliças para comer em sua própria casa (consumo doméstico compartilhado com no máximo parentes ou amigos em uma visita ocasional), mas esse investimento além de caro não torna as residências auto suficientes em produtos hortifrutigranjeiros, e dessa forma seus moradores continuarão indo normalmente à feira ou ao supermercado para terem esses produtos em suas mesas.
De olho nessa tendência surgem cada vez mais empresas dispostas a criar e vender produtos de qualidade, mais baratos e em maior quantidade para alcançar um maior número de pessoas interessadas de terem em seu lar pequenas hortas e assim saborear um delicioso tomate, uma alface crocante ou uma folha de hortelã livre de agrotóxicos.
Os bancos após acompanharem o surgimento desse mercado e vários estudos acerca de sua expansão passam a abrir linhas de créditos especiais para os já denominados “produtores agrícolas domésticos” oferecendo financiamentos que vão desde a construção e instalação até a manutenção das hortas domiciliares e o negócio, mesmo incipiente, passa a progredir de forma natural na sociedade como deve ser a evolução natural dos negócios no campo econômico.
Os produtores agrícolas com medo de perderem mercado, alguns com dívidas acumuladas ao longo de anos de má gestão e sonegação fiscal, procuram seus sindicatos para fazerem alguma coisa contra o “novo mercado doméstico” de “produção agrícola” sob a justificativa de ser uma ameaça ao setor agrícola do país, gerador de desemprego, uma nova forma de expulsar o homem do campo para a cidade e de ter surgido de uma linha ideológica intimamente ligada ao socialismo com o objetivo de acabar com o agronegócio do país. Os sindicatos procuram a federação de agricultores e juntos conseguem fazer o governo instituir uma taxa incidente sobre a produção doméstica de legumes, verduras e hortaliças.
Esta é a realidade do mercado de produção de energia solar doméstica, as pessoas querem fazer um investimento particular para diminuir suas despesas com a energia elétrica que só vem aumentando nos últimos anos, mesmo com uma inflação baixa de acordo com os índices oficiais, mas estão sendo ameaçadas de terem um novo gasto permanente com a criação de uma taxa sobre essa produção doméstica de energia elétrica.
Assim como as verduras e legumes do quadro imaginário, a energia solar que as pessoas estão pretendendo instalar em suas casas é para consumo interno, ninguém vai conseguir transformar sua residência em uma nova usina de geração de energia elétrica (até seria bom se assim o fosse pois poderia representar uma segunda fonte de renda para uma família), e vai, mesmo em uma quantidade menor, continuar se utilizando da energia elétrica fornecida pelas concessionárias.
A parcela do governo defensora da instituição de uma taxa a ser paga pelo cidadão que já paga IPTU sobre o seu imóvel, bem como toda a carga tributária incidente nos produtos e serviços utilizados para poder gerar energia elétrica em sua residência está preocupada apenas em defender as empresas do mercado de energia elétrica.
A Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL está agindo como sindicato e federação do setor energético ao buscar formas de defender a renda das empresas do setor elétrico de uma queda em virtude da expansão da produção de energia solar por particulares em suas residências e prejudica diretamente o cidadão que pretende realizar um investimento do próprio bolso e se livrar da conta de energia elétrica, a qual compromete cada vez mais o orçamento doméstico.
Se tivesse interessado em proteger o cidadão o governo estaria buscando alternativas de fomentar o investimento na produção de energia solar em residências, seja com a criação de fundos de investimentos, seja com uma carga tributária baixa sobre os serviços e produtos destinados a esse mercado.
É um descalabro sem tamanho e uma verdadeira punição contra o cidadão que por conta própria consegue uma economia no seu orçamento doméstico, mas passará a pagar um tributo sobre a produção de energia solar em sua residência.
O Estado Brasileiro com essa discussão demonstra mais uma vez o desprezo pela população a qual deve pagar por serviços e produtos públicos de péssima qualidade, independente do elevado valor e do impacto desses no orçamento doméstico e em contrapartida protege as empresas estatais e particulares atuantes no setor de energia elétrica contra qualquer prejuízo futuro com a produção doméstica.
A burocracia que tanto assola o Estado brasileiro é de um atraso e de um sentimento de impotência por parte do particular que deixa muitos desanimados em tomar uma iniciativa e desenvolver um negócio, produto ou serviço.
Vigora no Brasil uma mentalidade por parte de políticos e servidores públicos de criarem dificuldades para “cobrarem facilidades”. É o nosso eufemismo para a corrupção. É o jeitinho brasileiro com palavras amenas, como se fosse a coisa mais natural do mundo se “pagar” para um servidor ou para o próprio Estado para poder produzir, para poder gerar renda e riqueza, para poder abrir um negócio e até mesmo para poder fazer algo da sua vida privada como ter a sua casa (IPTU, Imposto de Transmissão de Bens Imóveis-ITBI, alvará de construção) ou dirigir o seu carro (IPVA, Seguro Obrigatório e Licenciamento Anual).
A mentalidade do Estado Brasileiro leva a políticas e propostas como a criação de uma taxa pela produção de energia solar em residências, onde o onerado é o cidadão para a proteção das empresas do setor elétrico e o pior de tudo, sem ganho algum para a economia. Não se discutem ideias mais simples e de maior benefício social como desonerar a carga tributária do setor elétrico levando assim à consequente diminuição do valor da tarifa de energia elétrica, e de outro lado a discussão sobre as privatizações e o aumento da competitividade do setor não sai do papel, outra medida para diminuir o valor da tarifa para o consumidor.
A instituição de uma taxa como a proposta poderá retrair o incipiente mercado de produtos e serviços de energia solar e será um ponto, se não o mais importante, a ser considerado pelo cidadão para instalar e passar a gerar a energia elétrica doméstica, podendo se tornar um impeditivo para tal investimento.
Ao tentar proteger as empresas do setor elétrico a medida de criação de uma taxa pela geração de energia solar doméstica afetará outras áreas da economia, além do cidadão e os únicos beneficiários serão as empresas do setor energético e o próprio governo com mais um tributo para aumentar a receita pública.
Evandro Salvador
Advogado