Mais uma eleição, mais uma festa da Democracia.
Por mais que possam ser declaradas, as intenções de voto de nada valem. O que conta são os votos efetivos, nas urnas.
As bandeiras tremulantes pelas ruas nem sempre são de eleitores que, voluntariamente, exercitam a sua liberdade de manifestação. Muitos são pagos para segurar os mastros daquelas tremulantes bandeiras. Portanto, não traduzem manifesto de livre intenção de voto.
Nem sei se aquelas bandeiras influenciam os eleitores ou como poderiam fazê-lo, pois são dezenas de bandeiras multicoloridas em alguns lugares, todas juntas, tremulando ao vento. Umas e outras representando uns e outros candidatos. Todas lado a lado, misturadas, como se fossem de apenas um partido ou coligação. Surpreendente.
Churrascos, festas e eventos afins podem atrair potenciais eleitores. Palanques podem servir aos discursos carismáticos. Contudo, bandeiras, camisetas, declarações de intenção de voto e abraços são respostas tão reais quanto o conteúdo das promessas feitas por candidatos.
Nas guerras e batalhas, não raro chega o momento em que prevalece o próprio discernimento do soldado, solitário em sua trincheira e, cercado por inimigos, abandonado à própria sorte.
Nesse momento, senhor do seu destino, tendo lutado até o limite da própria mente, cercado pela realidade que lhe cobra o preço da razão, acaba por se render, abanando um pano branco. Ali, naquele exato segundo, ocorre o encontro do ser humano com o seu destino – quando é senhor da própria razão.
Acima do óbvio, em seu íntimo, em segredo, em silêncio, em instinto de sobrevivência, usa o seu discernimento e leva a sua consciência a se conectar com a Paz maior.
A arma mais poderosa é a esperança e, quando esta se esvai, nada mais resta. A esperança de dias melhores no mundo político faz com que os eleitores possam escolher os nomes que elegerão. Essa é a imagem simbolizada. Bom ajustar a ideia de que os votos definirão quem vai deter o Poder, por meio do mandato eletivo.
Aliás, sobre o exercício do Poder, não raro melhor o exercerá quem menos o desejar.
Millôr Fernandes dizia que “as urnas dizem o que querem aos que mandam fabricar as urnas” (Que país é este?).
Benjamin Constant criticava os que se acham donos do poder, quando se consideram donos da verdade e relegam os que pensam diferente, dizendo que eles “têm uma disposição desagradável a considerar tudo o que não é eles com uma facção. Eles chegam a incluir, às vezes, a própria nação nessa categoria”.
Mais do que votar e ser votado, o jogo político-eleitoral credencia nomes ao exercício do Poder político. Não é poder sem controle. Não é poder pleno e sem limites. Não é poder ditatorial, quando, no exercício das funções, se cumpre a promessa feita nas posses e diplomações, de se cumprir a Constituição Federal.
Portanto, se é para se cumprir a Carta Política de 1988, é crível que estabilidade, previsibilidade e não surpresa são atributos inerentes ao processo eleitoral.
Não se elege e empossa alguém para fazer revolução, censurar órgãos de imprensa (ou suspender o canal da CNN, como se fez há pouco na Nicarágua), nem para censurar mídias, aplicativos ou jornalistas ou para se exercer qualquer outra atividade não republicana que, obviamente, não esteja prévia e expressamente prevista no texto da Constituição Federal.
Já se disse que “a verdade existe, só se inventa a mentira” (Braque) e o Poder cega e afaga, com o seu véu ilusório e os aduladores de sempre. O Poder é perigoso e manipulador, a ponto de levar pessoas a se sentir profundamente indignadas, por motivos errados.
Durante a intensa turbulência, o melhor piloto de avião é aquele que, concentrado e, portanto, em silêncio, conduz a aeronave em segurança, até o pouso. Só então dirige-se aos passageiros, agradecendo-lhes a preferência e desejando-lhes boa estada.
Quem assume o Poder deve agir assim e obrar para cumprir a Constituição Federal e as leis do país e assegurar paz e não surpresas.
A esperança popular, na delegação de poder para o futuro da Nação, tem o voto como arma. Não se deve eleger alguém em busca de interesse pessoal, simpatia ou antipatia. Não se está elegendo alguém para atividade de entretenimento ou mestre de cerimonial. Não estamos votando para ficar na plateia, assistindo ao narcisista show de alguém.
Por isso o voto secreto é tão importante. No silêncio da cabine, sem ninguém a patrulhar, induzir, criticar, constranger e ameaçar, os eleitores só têm que dar satisfação à sua própria consciência. Está, ali, naquele momento, como num confessionário. Sua verdade só pode ser una e indivisível. Sua certeza, melhor se conformará quando as incertezas não forem mais relevantes. Sua independência e autonomia, como indivíduo, poderá ser plena e livremente exercida, sem ter que dar satisfações a quem quer que seja.
São poucos os segundos para se exercer tão ampla liberdade de ação. O peso da cidadania política paira sobre os ombros do eleitor, solitário, diante da urna, que representa o futuro da Nação. O silêncio ecoa a voz da sua consciência.
Não há ali a pressão dos coronéis de outrora, o medo de perder o trabalho por se desagradar ao empregador, o pavor de ficar sem moradia por perseguição ditatorial dos futuros mandatários de plantão e a obrigação de acreditar em promessas vazias. Ali é a hora da confirmação das suas certezas ou da vingança aos que prometeram e não cumpriram, aos que corromperam a confiança e a simbologia dos altos cargos da Nação, não dando ao povo mais do que prantos e ranger de dentes.
O mundo caminha para uma nova encruzilhada geopolítica e as sociedades têm sido mais egoístas e menos capazes de altruístas gestos em prol do coletivo. Mais vale uma foto selfie agora do que um país melhor no futuro. O colorido da maquiagem exterior tem sido mais intenso para disfarçar os desmoronamentos das estruturas psicológicas e emocionais da nossa mente. A utopia do belo e os padrões nos igualam por fora e arruínam as nossas identidades. Não nos reconhecemos mais no espelho, quando cotejamos a imagem com as de fotografias do nosso passado. Corrompemos o nosso íntimo para ostentar aparência.
Se perdemos essências individuais, decerto a sociedade também perdeu. Nossa capacidade argumentativas, nossas leituras, reflexões e indagações parecem despedaçadas. O mundo tem se reduzido a poucas frases de efeito e a opiniões de poucas palavras, mais como se estas fossem a conclusão de uma ideia do que o seu próprio conteúdo. As coisas tem sido mais sim ou não do que conteúdos de lógica argumentativa. Estamos perdendo a nossa capacidade de racionalizar as nossas dúvidas.
Nesse ponto, não ter dúvidas não significa que só tenhamos certezas. Talvez corresponda a nos contentar com posições confortáveis no meio social. Discordar dá trabalho. Questionar cansa. Opor-se com ideias parece hoje significar fazer adversários. O patrulhamento posturas e pensamentos nos coloca contra a parede, amedrontando nossas mentes e almas, quase como faziam as armas, no passado, com os corpos alinhados nos paredões, onde os fuzilamentos ocorriam.
Que a esperança flua livre, com longas asas potencializando a altura dos seus voos, naqueles segundos em que os eleitores estiverem, sozinhos, na cabine de votação. Que não votem por esse ou aquele motivo peculiar e particular. Que votem pelo país. Os sites de quase todos os partidos apresentam os Programas Partidários, nos quais consta o que fará cada candidato, se eleito. Que não nos alimentemos das promessas vazias. Que não venhamos a eleger alguém sem saber qual programa pretende cumprir e fazer cumprir. Os programas partidários são o compromisso dos candidatos para com o eleitor. Que a esperança vença e que a utopia sucumba à realidade. O mundo está em mudanças, o país precisa avançar e o futuro da Nação depende de cada voto, secreto, consciente e livremente exercido.