Estátuas e cofres e paredes pintadas, ninguém sabe o que aconteceu…Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de entender, mas ela dorme, agora. E esse som é só o vento lá fora…
Talvez tenha se cansado de buscar a verdade de sua existência ou desistiu de se empenhar em compreender o mundo e o seu próprio lugar nele.
Perdida ou centrada demais em si, suportou e suplantou a vida, lançando contradição e perplexidade do quinto andar consigo.
Quem sabe não tivesse a quem dizer “quero colo, vou fugir de casa, posso dormir aqui com você? Estou com medo tive um pesadelo. Só vou voltar depois das três…”
Ainda que tivesse alguém, as sombras do desconhecido paralisaram a súplica por ajuda. Isso, em geral, pode ter sido causado por resistência à mudança e por negação do porvir. Jogou tudo do quinto andar.
Sob luta ou fuga, a dor e o alívio, associados, acenavam sua morte. Na busca, a verdade (dela) não enfrentou dignamente os dilemas éticos e morais em sua vida.
Daí, a verdade perdeu, cedendo à tensão narrativa do passado que a manteve desinteressada em descobrir o que aconteceria a seguir. Nem sonhou mais.
Ou sonhou “meu filho vai ter nome de santo. Quero o nome mais bonito”. E até fundamentou parte disso no princípio de que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se parar pra pensar, na verdade não há…E não houve.
Noutros momentos, caiu no devaneio do autoquestionamento: me diz por que o céu é azul? Explica a grande fúria do mundo?
Sem acolher a verdade, conduziu-se ao futuro e imaginou-se contando: são meus filhos que tomam conta de mim.
E, num súbito piscar, deteve-se na memória: eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar…
Rememorou, também, outros velhos conhecidos dizendo: eu moro na rua e não tenho ninguém. Eu moro em qualquer lugar. Já morei em tanta casa que nem me lembro mais…
E ela engoliu a seco sua sorte: eu moro com os meus pais. Então, a alegria lhe tomou, descobrindo algo de verdadeiro e significativo na sua existência: a beleza piedosa de seu destino.
Por isso, sentiu-se cobrada: é preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã, porque se parar pra pensar, na verdade não há…
Ou há? Se a vida e a morte são relações, na busca pela verdade, a alegria e o medo triunfam em cada entrelaçamento?
Diante das colisões diárias e dos dilemas convincentes, o medo teve uma parcela maior, em sua jornada, elevando a insignificância da moça do quinto andar.
Dia após dia, diante do espelho, as palavras lhe saltavam: sou uma gota d’água, sou um grão de areia. Um grande e completo nada no vazio da vida com uma verdade própria, entre as outras sete bilhões de verdades per capitas no mundo.
A verdade é multifacetada, elusiva e alegórica. Confunde, a despeito de ser objetiva ou subjetiva. Ela, independente do contexto – fatos verificáveis e mensuráveis ou envoltos em percepção pessoal. Apenas comunica uma percepção individual e única. E a dela a empurrou do quinto andar.
Enquanto sentiu a dor e o desconforto daquela verdade, a garota do quinto andar, indignando-se, interrogou-se: você me diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais, você culpa seus pais por tudo e isso é absurdo. São crianças como você. O que você vai ser. Quando você crescer? Sou uma gota d’água, sou um grão de areia…
Ao mesmo tempo que a busca da verdade ia lhe trazendo alívio, sufocou-lhe com a incerteza perene da vida e, finalmente, esclarecida, aliviou sua mente lançada do quinto andar. Dorme, agora…