Quem já padeceu de alguma desilusão sabe o gosto amargo sentido, ao final do pensamento. A maioria das pessoas teve, ao menos, uma experiência de sofrimento, durante a existência, por causas externas que, geralmente, são apontadas como fatores modificadores da psique humana. Algumas linhas da ciência do comportamento humano tomam-nas como modificadoras permanentes e construtoras dos mecanismos de defesa, em situações ameaçadoras ou decepcionantes. E o menos provável é a percepção de suas verdadeiras origens, pelo sujeito que as suporta.
Tais causas – externas – precisariam deter menos força sobre os seres pensantes. Força em sentido amplo. Partindo-se da hipótese de que tudo está em movimento, o tempo todo, e a realidade é fluida e reflexiva, a criatura criadora sempre terá resultados, em torno do que está focada! Aleluia! Então, desocupando e limpando os pontos nevrálgicos, alcança-se o vigor e o domínio da situação de vida? Os expertos do assunto indicam que sim!
Benevolência, complacência, resignação, mansidão, equilíbrio e tranquilidade, como habilidades da consciência de si, são soberanas à própria força de causas exterioras. Talvez, o caminho, antes de qualquer desafio, seja apegar-se a essa questão. Os braços fortes e os solavancos dos motivos exteriores nunca acabam, nem ficam pouco, para quê resistir? Solta!
Soltar é ter governo e jugo de si. É manifestar a superioridade inata. É pensar além de conceitos prévios e formulados por aí. É adotar domínio sobre desejos. É construir autoridade, apesar de tudo. Logo, é ser dominador de si, quando tudo ao redor desaba, no país e no mundo. Convenhamos, sem crises, a evolução não é testada, não acontece, em lugar nenhum.
E quem diz o que é crise? Aquele que toma embate com a dor, com a alteração da condição atual ou com as perspectivas de futuro. Pelo filtro pessoal, pode o analisador da crise entendê-la maior e mais estranha do que jamais estimou. Ocorre que a crise, aparentemente nova, tende a ser uma velha conhecida. Apenas, por mudança de lente, alteraram-se as aparências do provável colapso. Antigos e experienciados, mal o indivíduo nota que lida, há décadas, com tais fatores externos. Nada mudou, a não ser a percepção dos ares.
A ignorância é santa, quando o loop do dia a dia conservar-se sutil e pouco sacrificante. Tomar nota das expectativas internas – e ousar praticá-las – retira dos agentes exteriores o arbítrio sobre os resultados alcançados por cada vivente [mas isso dói]! Compreender e superar o campo confortável do vitimismo é o mais alto grau do arrojo humano.
Diante de crises iminentes, aquele que costuma se entender como autorresponsável, agradece as confusões previstas. Congratular potestades não foi a sugestão, aqui. O contrário, na verdade, é contentar-se com os direitos naturais e existenciais – aqueles que todos sabem possuir. Pensando-os no sentido de capacidade, de faculdade e de virtude. Jamais, no arranjo dos “garantidos” pelo Estado de Direito.
O condão de se perceber autossuficiente e independente de fatores externos, muitas vezes, condiciona a única opção, diante de conflitos – inclusive dos existenciais. Há quem diga que as regalias, os privilégios, as vantagens e as tão sonhadas liberdades são atingidas, antes, internamente.
Ora, até os mais céticos conseguem aceitar tal sugestão, quando o pêndulo dos acontecimentos flexiona para o polo negativo. O sujeito, até então, vítima da sociedade e do sistema, precisa neutralizar, sair do negativo, desocupar os espaços – físicos e mentais, para que ressurja algum empurrão ou força inerente à vida.
Acaba que, quem se identifica com tais talentos, desatrelado está de governos ou decisões econômicas. É sobrevivente e dessensibilizou-se, há tempos. Evidentemente, sem decidir discutir sobre ideologias, os talentosos crescem e afloram em brilho próprio. Marcadamente, essa abordagem foi trazida, como um recorte socioeconômico, no filme “a vida é bela” – em italiano “la vita è bela”.
O filme, vencedor de três Oscars, merecidamente, em 1999, passa-se na Segunda Guerra Mundial. Guido Orefice, judeu e dono de uma simplória livraria, é capturado e mandado para um campo de concentração, em Berlim, juntamente com seu filho, uma criança chamada Giosué. Guido, porém, permite-se viver além do possível, edificando a crença, em seu filho, de que estão em um jogo divertido e instigante.
O longa expõe como os governos rearranjam-se e organizam-se pelo poder e pela força. Ocorre que eles não controlam o tempo e os talentos internos dos subordinados e submissos governados. Guido, bem ousou, demonstrando-se um Ser Espiritual, acionando o amor e o bom humor, transcendentes da realidade do campo de concentração. Hoje, roga-se ainda por autodomínio e autopercepção aos seres da Terra, ainda que sobrevenham causas degradantes e humilhantes.
A vida é bela
