O Ministério Público do Amapá (MP-AP), por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, ingressou com Ação Civil Pública (ACP) na Justiça requerendo a responsabilização do Estado do Amapá, do Centro de Promoção Humana Frei Daniel Saramate (Capuchinhos) e da empresa Saúde Link pelos danos causados a pacientes submetidos a um mutirão de cirurgias de catarata realizado em 2023.
Entre os pedidos formulados, está o pagamento de pensão vitalícia às vítimas que tiveram perda total da visão, além de indenizações por danos morais e materiais.

De acordo com a ação, 141 pacientes foram atingidos por um surto de endoftalmite, uma infecção ocular grave, após os procedimentos cirúrgicos. Do total, 17 pessoas perderam completamente a visão, enquanto dezenas de outras ficaram com sequelas severas, comprometendo de forma definitiva a saúde ocular, a autonomia e a qualidade de vida.
O mutirão foi realizado no Centro de Promoção Humana – Capuchinhos, como parte de um programa de ações socioassistenciais executado pelo Governo do Estado.
O MP-AP acompanha o caso desde a ocorrência dos fatos, por meio de procedimento administrativo instaurado para apurar responsabilidades e assegurar a adoção de medidas de assistência às vítimas.
Ainda em 2023, foi expedida a Recomendação nº 002/2023 pela 1ª Promotoria de Defesa da Saúde, com o objetivo de minimizar os danos, garantir atendimento médico adequado e cobrar providências dos responsáveis. No entanto, segundo o Ministério Público, as apurações e reuniões realizadas ao longo do acompanhamento revelaram um cenário de descaso, omissões e fragilidade na gestão, fiscalização e controle das ações de saúde por parte dos envolvidos, em especial do Estado.
A Ação Civil Pública se baseia em elementos colhidos em fiscalizações e relatórios técnicos de diferentes órgãos. A Superintendência de Vigilância em Saúde (SVS) constatou condições higiênico-sanitárias inadequadas no local, falhas no fluxo e no acolhimento dos pacientes, além do uso impróprio de vestimentas durante os procedimentos.
As inspeções também identificaram irregularidades graves no centro cirúrgico e na Central de Material e Esterilização, com deficiência nos protocolos de controle de infecção e riscos elevados de infecção hospitalar.
Outro ponto central da ação é o relatório elaborado pelo Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS, o EpiSUS-Avançado. O documento analisou todas as 141 cirurgias realizadas no dia do mutirão e concluiu que o surto de endoftalmite foi consequência de uma falha sistêmica, previsível e plenamente evitável.
Para o MP-AP, o relatório representa prova técnica robusta de que houve negligência grave e imprudência por parte da empresa executora e do centro filantrópico responsável pela estrutura do atendimento.
O Conselho Regional de Medicina do Amapá (CRM-AP) também apontou riscos relevantes. Em termo de vistoria realizado em 5 de julho de 2023, o órgão alertou para problemas em áreas diretamente relacionadas à segurança do paciente, reforçando os indícios de que os procedimentos foram realizados sem a observância rigorosa das normas técnicas e sanitárias exigidas para cirurgias oftalmológicas.
Diante do conjunto de provas, depoimentos das vítimas e relatórios de inspeção, o Ministério Público requer à Justiça o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva e solidária do Estado do Amapá, do Centro de Promoção Humana Frei Daniel Saramate e da empresa Saúde Link.
A ação pede a condenação ao pagamento de danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 9 milhões, além de indenizações por danos materiais e morais individuais e o pagamento de pensão vitalícia às pessoas que perderam totalmente a visão, como forma de reparação contínua diante do impacto irreversível causado pelo episódio.

