O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine o pagamento de indenização por danos materiais e morais às vítimas, bem como aos seus familiares, do naufrágio da embarcação Anna Karoline III, ocorrido em 2020 no Amapá. A ação judicial foi movida contra a União, a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), a empresa proprietária do barco e o comandante da embarcação. Na mesma ação, o MPF também pede a condenação por danos morais coletivos, no valor mínimo de R$ 20 milhões.
Em 29 de fevereiro de 2020, no rio Amazonas, a embarcação Anna Karoline III naufragou próximo ao município de Vitória do Jari (AP). O barco tinha saído de Santana (AP) com destino a Santarém (PA), com ao menos 93 pessoas a bordo e cerca de 176 toneladas de carga. A tragédia resultou na morte confirmada de 40 pessoas e o desaparecimento de 2 crianças, que se presume que também faleceram no naufrágio. As investigações demonstraram uma série de irregularidades na embarcação e falhas graves na fiscalização pública.
O inquérito e os laudos periciais indicaram que a tragédia foi determinada por falhas de segurança e a omissão na fiscalização. Entre as irregularidades apontadas pelo MPF estão o excesso de carga e o armazenamento incorreto de mercadorias, o que comprometeu a estabilidade do navio. Além disso, a embarcação apresentava mau estado de conservação estrutural, incluindo corrosão na parte superior do casco e furos nas chapas de metal próximo à linha d’água, permitindo a entrada de água.
Na ação judicial, o MPF aponta a responsabilidade da empresa proprietária do navio pelos danos causados às vítimas do naufrágio, tendo em vista a relação de consumo entre a empresa de transporte e os passageiros – que adquiriram bilhetes para o trajeto. O órgão também aponta a responsabilidade do comandante da embarcação, que assumiu o risco de zarpar com a embarcação com quase o dobro da carga autorizada.
Além disso, o comandante parou o navio em local impróprio para transbordo de mercadorias e abastecimento irregular. O MPF argumenta que a conduta e as omissões dos responsáveis foram fatores determinantes para o acidente e para a elevada quantidade de vítimas.
O MPF também pede que a União e a Antaq sejam responsabilizadas por omissão específica no dever de fiscalização. O MPF destaca que a inspeção realizada pela Marinha (órgão da União) momentos antes da viagem foi “superficial e inadequada”, com duração de apenas cinco minutos, o que impediu a detecção das falhas estruturais e do excesso de carga. Já a Antaq é citada pela ausência de fiscalização efetiva na região, inclusive pela falta de um posto próprio no Amapá, criando um “vácuo” que permite a proliferação de operações irregulares.
Além da condenação ao pagamento de indenização individual pelos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas e seus familiares , o MPF requer a reparação por danos morais coletivos. Segundo a instituição, a grave omissão e a falha na fiscalização abalaram a tranquilidade social e a confiança da população no transporte fluvial, que é um meio de locomoção essencial na região.
“O naufrágio da embarcação ANNA KAROLINE III representa uma tragédia de proporções inestimáveis, com 42 vítimas fatais e incontáveis danos a sobreviventes e familiares. A magnitude do evento, a complexidade da apuração das responsabilidades (envolvendo a União, autarquia federal e particulares) e a necessidade de garantir uma reparação justa e uniforme para todas as vítimas demonstram a imperiosa necessidade da atuação do Ministério Público”, cita o procurador da República Aloizio Biguelini, que assina a ação.
O ajuizamento da ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos das vítimas se apresenta como o instrumento processual mais adequado e eficiente para o caso. O objetivo é garantir uma reparação justa e uniforme para todos os lesados, evitando o custo excessivo de ações individuais e o risco de decisões judiciais divergentes.
Prescrição
Embora a lei brasileira estabeleça prazo de 5 anos para mover ações de reparação de danos contra o Estado e fornecedores após um acidente, o MPF ainda pode entrar com o processo pelo naufrágio por uma regra específica da Lei do Tribunal Marítimo. A legislação determina que o prazo de 5 anos de prescrição é interrompido enquanto o Tribunal Marítimo estiver investigando o caso.
Como a decisão final do Tribunal no caso da embarcação Anna Karoline III só ocorreu em 16 de outubro de 2024, o prazo para o MPF buscar a reparação só recomeçou a contar a partir desta data. Dessa forma, a ação judicial, proposta pouco mais de um ano depois do fim da investigação, está dentro do prazo legal e não pode ser barrada pela prescrição. Na decisão, o Tribunal Marítimo condenou o comandante da embarcação por ter assumido o risco de navegar em condições inseguras e outros dois tripulantes por negligência.
Ação Penal
Em junho de 2021, o MPF denunciou seis pessoas, no caso Anna Karoline III, por homicídio culposo – crime de matar alguém sem a intenção por negligência, imprudência ou imperícia – e por atentado contra a segurança do transporte fluvial. Entre os réus estão o dono da embarcação, o comandante e dois militares da Marinha que vistoriaram o navio antes do início da viagem.
Na ação criminal, o MPF também pediu o pagamento de indenização mínima às vítimas do naufrágio da embarcação. Na ação civil protocolada agora, o MPF destaca que a fixação da indenização mínima na esfera criminal é um mecanismo que acelera a reparação à vítima, mas não exclui o direito de buscar a reparação integral dos danos em uma ação própria.
Fonte: MPF

