Afeição a regras. Sem elas, estaríamos aportando em terra de ninguém. Quase um anarquismo. Entendemos, por isso, talvez, que aceitar aquele que não se identifica, não se encaixa, não pertence a algum grupo social, é cooperar com (ele), indo de encontro com as diretrizes comumente criadas e impostas, que nos organizam enquanto um povo.
Impostas, verticalmente, por um “favor” do Estado constituído. As normas prescritas estão postas, mas, ainda assim, carecem de elo com o mundo dos fatos. Para isso, os dotados de propósito maior – os imaginadores ou pensadores de doutrinas, os estadistas, os juristas- são os senhores da razão.
Por sorte, o guarda-chuva do compadecimento dessa gente estende-se às margens daqueles que não “pensam”, dos administrados, leia-se, da população em geral. De quando em quando, percebemos a mão forte dos mandamentos político-sociais dando voltas, capotando, revirando as covas da história.
Ainda bem que, assim como os nobres pensadores, temos a motivação da adaptação e, diferente deles, nossa obstinação insensata resulta em uma dívida alta e inconteste. Resistência não nos é alternativa. Insurgência é o pecado capital do ser inadequado às voltas que o mundo dá.
Não pertencer a um núcleo familiar ou comunitário, por si, é o grande castigo do homem. De autoconservação da espécie à autoaceitação, o caminho até aqui, dizem, foi ocorrendo por seleção natural, mas há controvérsias.
As justificativas e as fundamentações científicas, que salvaguardam as regras, advêm dos mesmos articuladores/pensadores que conduzem àquele processo seletivo, dito “natural”, anteriormente.
Ela, a seleção natural, seria o mecanismo evolutivo, por Darwin, que defende o meio ambiente – e suas regras – como um selecionador de características, permanecendo os seres mais aptos, sobrevivendo às intempéries.
Assim, os mais adaptados conquistam a sobrevida e produzem descendentes com as mesmas tendências genéticas e comportamentais. Ao contrário, ao longo do tempo, os menos aptos às voltas que o mundo dá se vão, extinguem-se.
A resistência, aqui, pertence aos que suportam diferentes pressões externas, em busca de estabilização ou de direção. Estabilizou? É porque o couro engrossou. Tem direcionamento? Foram as razões favorecedoras do meio social.
Certo! E quando não obtemos a média dos proveitos socioeconômicos vividos, nem entendemos as vantagens de vivenciarmos nosso meio social? Perdidos e sem rumo permaneceremos, até nos subjugarmos aos extremos das organizações sociais: ou nos recolhemos à insignificância ou dessensibilizados, ao máximo, nos encontramos.
Nesse ideário, tendemos a habitar numa escala evolutiva entre as migalhas existenciais, a média do favor socialmente percebido e a máxima expressão dos sentidos humanos. Nesse último ato do pertencimento, o ser humano doa-se a si sem assombros.
E, por conta disso, o que aterroriza a humanidade não mais lhe sucumbe: ele é seu domador e sua própria fera. Aqui, nesse estágio, estaríamos formando a base de pensadores, organizadores sociais para o povo e pelo povo com muito poder e pelo poder.
O poder, por sua senda, levaria-nos a cair no estado de natureza hobbesiano, pelo qual nosso último salvador seria o Estado-Lei. Sem essa conjuntura estatal, temeríamos o ataque por outro alguém, em todo momento. Disso, decorre que o Estado redentor dos homens foi o antídoto à anarquia perigosa e mortal, segundo Hobbes.
Disso, também, matutemos, decorre que as regras imaginadas por homens de mãos fortes trazem a sutileza de uma linha organizadora invisível, inodora e imaterial, mas real, onipresente e onisciente, antiga e arcaica, tal qual as voltas que o mundo dá.