Nos últimos anos, a obesidade tem se consolidado como uma das maiores crises de saúde pública mundial. Com a previsão de que a doença atinja a maioria dos habitantes do planeta até 2050, a pesquisa científica intensificou as investigações para encontrar novas e cada vez mais eficientes “canetas emagrecedoras”.
“A categoria de remédios que foi aberta com o Ozempic está sendo explorada apenas em sua superfície. Estamos vendo pacientes conseguindo pela primeira vez viver com saúde, reverter diabetes, diminuir a apneia do sono, reduzir de peso e, quando passarmos a combinar e popularizar essas drogas, viveremos uma revolução no tratamento da obesidade”, garante o endocrinologista Bruno Geloneze, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A busca por tratamentos mais eficientes vai além dos medicamentos agonistas do GLP-1, categoria do Ozempic e do Wegovy. Novos hormônios e substâncias estão sendo analisados, com a esperança de alcançar resultados mais duradouros.
“As possibilidades que se aproximam são incríveis e estamos cada vez mais próximos de pensar em uma solução medicamentosa definitiva, do ponto de vista clínico, para a obesidade”, afirma o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri.
Explorando hormônios intestinais para além do Ozempic
Uma das áreas promissoras no combate à obesidade está no estudo de hormônios produzidos pelo sistema digestivo para sintetizá-los artificialmente de forma semelhante ao que o Ozempic faz com o GLP-1.
Esses hormônios, conhecidos como GUT, são um conjunto de mais de uma dezena de substâncias, mas há alguns que estão em maior destaque. Um deles é o GIP, que está ao lado do GLP-1 na composição do Mounjaro e que é considerado por especialistas como um dos motivos do sucesso do emagrecimento intenso que o remédio proporciona.
O GIP também é produzido no intestino e ajuda a regular a liberação de insulina. Quando estimulado, ele envia sinais ao cérebro promovendo a saciedade, além de melhorar a lipogênese, o que pode ser vantajoso para o controle do peso.
O único princípio ativo até agora a explorar este hormônio foi a tirzepatida e, durante os ensaios clínicos, ao ser aliado com mudanças na dieta, o remédio levou voluntários ao emagrecimento de até 20% do peso corporal.
O avanço da retatrutida
Os novos fármacos, porém, não se restringem apenas a esses hormônios. Já está em fase final de testes a retatrutida, uma “molécula 3G”, que combina os efeitos de três hormônios: GLP-1, GIP e glucagon. A junção dos hormônios tem se mostrado mais eficaz do que a ação isolada de cada um deles, permitindo um controle mais abrangente da obesidade e seus impactos metabólicos.
O glucagon também é responsável por aumentar a saciedade, o metabolismo de gordura e o gasto calórico, potencializando a ação dos dois outros hormônios. O glucagon ainda estimula a secreção de mais hormônios que possuem o potencial de queimar gordura como o cortisol, a epinefrina e o hormônio do crescimento.
Em um estudo publicado no The New England Journal of Medicine, 338 pacientes obesos receberam doses semanais de retatrutida durante 11 meses. Os resultados mostraram uma redução média de 23 quilos, com 25% dos participantes atingindo uma perda de até 30%. Esses números ressaltam o potencial da retatrutida como uma terapia efetiva para o tratamento de doenças associadas ao excesso de peso.
Outro remédio que está sendo desenvolvido com base em uma combinação de glucagon e GLP-1, a survodutida está em estudos clínicos para o tratamento da obesidade e da diabetes tipo 2. Em resultados divulgados no final de 2024, a substância levou a uma expressiva redução da circunferência da cintura. A gordura abdominal é justamente uma das mais perigosas para aumentar o risco de mortalidade associada à obesidade.
Amilina também entra em campo
A amilina, outro hormônio associado ao processo digestivo, está sendo estudada para um novo remédio. A amicretina combinará a amilina com o GLP-1: também chamada de IAPP, ela é produzida pelo pâncreas para equilibrar os níveis de glicose no sangue, regulando a atividade metabólica. O hormônio foi capaz de provocar uma perda de peso equivalente a 13% em apenas 12 semanas.
Ao apresentar os resultados iniciais dos testes clínicos para a imprensa, em maio de 2024, o CEO da Novo Nordisk, Lars Fruergaard Jørgensen, afirmou que “a amicretina vai se tornar o tratamento líder entre os medicamentos para obesidade no mundo.”
O papel do FGF21 na obesidade
O FGF21 é outro hormônio que tem atraído interesse da indústria farmacêutica na luta contra a obesidade. Ele está em estudos iniciais como parte de dois remédios que combinam outros hormônios. Um deles é apenas com o GLP-1 e outro o combina todos os outros 3Gs. Os primeiros testes em humanos de ambas as drogas deve começar em breve.
Estudos têm mostrado que o FGF21 pode influenciar a termogênese, ou seja, a produção de calor, especialmente no tecido adiposo marrom, que é mais eficiente na queima de gordura e pode aumentar, ainda que de forma muito sutil, o potencial já gigante da retratutida na perda de peso.
Em ratos, o FGF21 demonstrou ter efeitos cardioprotetores e potencial para aumentar a saúde e a longevidade. Embora as pesquisas sobre o hormônio ainda estejam em estágios iniciais, ele se apresenta como uma ferramenta promissora no tratamento da obesidade. A substância desempenha um papel importante na regulação do metabolismo, especialmente durante a restrição de proteínas.
Tratamento mais abrangente
Para os médicos, o grande horizonte de possibilidades de uso dos hormônios do sistema digestivo para tratamentos farmacológicos mostra que no futuro será possível tratar a obesidade leve e moderada apenas com remédios.
“Imagino que, no futuro, teremos menos necessidade de recorrer a cirurgias como a bariátrica, que ficará restrita a casos especiais e de IMCs muito elevados, o que permitirá também que essa cirurgia chegue justamente para os pacientes que mais precisam dela, o que não vem acontecendo”, explica Geloneze, da Unicamp.
No entanto, ele destaca a importância de que os medicamentos sejam combinados com apoio psicológico, mudanças no estilo de vida e, quando necessário, cirurgia. Para ele, o futuro do tratamento da obesidade passa pela união entre tratamentos inovadores e estratégias multidimensionais.
“O medicamento é suporte, mas aliado com o acolhimento e a intervenção psicológica, dietética e na atividade física, conseguiremos fazer um tratamento para a obesidade que não precise ser um sinônimo de sacrifício, frustração e culpa — como tem sido”, conclui Geloneze.
Fonte: Metrópoles