Embora médicos recomendem no mínimo seis horas de sono noturno, há quem durma 4 horas ou até menos sem sentir nenhum prejuízo com isso. Não sofrem com cansaço, lapsos de memória ou queda de desempenho. A ciência agora começa a entender o que está por trás desse fenômeno fisiológico atípico.
Pesquisadores das universidades de Xangai, na China, e da Califórnia, nos Estados Unidos, identificaram uma mutação em uma proteína que se acumula nas glândulas suprarrenais — aa cinase 3 induzida por sal (SIK3) —, que parece estar associada à chamada característica do sono curto natural.
A descoberta pode colocar luz no desenvolvimento de tratamentos que melhorem a qualidade do sono de pessoas que sofrem com insônia, por exemplo.
Nova peça no quebra-cabeça do sono
Esta proteína, associada com o processamento de fosfatos pelo organismo — quando sofre uma alteração batizada de N783Y — pode levar aos ciclos de sono curto, segundo o estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 5 de maio.
Essa mutação afeta colateralmente uma proteína reguladora do sono, interferindo na capacidade do organismo de manter longos períodos de inatividade noturna. Ainda assim, indivíduos com a condição não sofrem com os efeitos comuns da privação de sono prolongada.
Privação do sono
Durante o descanso, o corpo realiza tarefas essenciais de manutenção. Células são reparadas, hormônios ajustados e conexões neurais reorganizadas. A privação dessas funções pode comprometer gravemente a saúde ao longo do tempo.
Doenças como diabetes, depressão, obesidade e problemas cardíacos estão ligadas à perda crônica de sono. Por isso, recomenda-se dormir entre sete a nove horas por noite. Ainda assim, esse padrão não se aplica a todos.
Indivíduos com sono curto natural desafiam essa média. Relatam bem-estar mesmo com poucas horas de descanso. Mais tempo na cama, curiosamente, pode resultar em piora na disposição ao longo do dia.
Rastreamento genético revela mutação
Pesquisas anteriores já haviam identificado outras mutações genéticas ligadas ao sono curto em genes como DEC2, ADRB1, NPSR1 e GRM1. Agora, o foco recai sobre o papel da proteína quinase SIK3.
Já se sabia que a SIK3 atuava regulando alguns fosfatos que são essenciais para a transferência de energia para os processos biológicos. A SIK3, em especial, atua sobre a duração e a profundidade do sono. Mas ainda havia lacunas quanto ao seu papel direto na característica de sono curto.
Para investigar, os cientistas analisaram o caso de uma mulher de 70 anos saudável e ativa, que relatava dormir cerca de três horas por noite. O monitoramento por actigrafia confirmou a média de 6,3 horas de descanso real.
Mutação testada em modelo animal
A equipe de pesquisadores então sequenciou o exoma (sequenciamento de DNA da produção de proteínas pelo organismo que regulam funções biológicas) da voluntária e encontrou a mutação N783Y na proteína SIK3. Essa alteração pontual foi identificada como provável causa do sono reduzido e eficiência da paciente.
Para confirmar a hipótese, a mesma mutação foi induzida em camundongos de laboratório. Os roedores geneticamente modificados dormiram 30 minutos a menos do que os outros, sem apresentar sinais de prejuízo fisiológico.
Modelos computacionais indicaram que a mutação alterou a estrutura da proteína, dificultando sua função normal de fosforilação. Isso resultou na diminuição da atividade da quinase e, consequentemente, do tempo de descanso.
Possíveis alvos terapêuticos no futuro
Além de alterar a duração do sono, a mutação SIK3-N783Y modificou os padrões de fosforilação de proteínas sinápticas, especialmente no cérebro. Isso sugere uma conexão direta entre a mutação e os mecanismos neurais do descanso.
Compreender esses mecanismos pode abrir caminho para tratamentos que melhorem a qualidade do sono, especialmente em pessoas que sofrem com insônia ou distúrbios do ritmo circadiano. Os especialistas alertam, porém, que é preciso avaliar uma amostra maior de pessoas com mutações como essa para entender seus efeitos antes de fazer uma aplicação real deles.
Fonte: Metrópoles