Um estudo mostrou que a saudade pode ajudar a reduzir os sintomas de depressão e tem um potencial para ser usada no tratamento da doença. O trabalho foi realizado por pesquisadores vinculados ao Kings College London e ao IDOR Ciência Pioneira, incluindo um autor brasileiro, e foi publicada recentemente na revista Frontiers in Psychology.
Em conversas com a equipe sobre o potencial adaptativo da saudade, os pesquisadores desenvolveram a hipótese de que ela poderia funcionar como um recurso emocional útil na psicoterapia, especialmente para pessoas com altos níveis de autocrítica, que têm maior vulnerabilidade à depressão.
Para confirmar essa teoria, o trabalho avaliou 39 pessoas com sentimentos intensos e frequentes de autocrítica, um fator atrelado à vulnerabilidade da depressão. Elas foram convidadas a criar um filme de 10 minutos usando fotos, vídeos e músicas que remetessem a sentimentos de autocrítica, tristeza e, em seguida, saudade.
O grupo foi instruído a assistir ao vídeo diariamente por uma semana. O objetivo era incentivar as pessoas a pensar ativamente sobre essas emoções e a lidar com elas associando-as à saudade. A metodologia foi inspirada em estudos anteriores sobre emoções e memórias autobiográficas, de forma a induzir e a buscar esses sentimentos.
Após uma semana, os sintomas depressivos dos pacientes foram reduzidos, com engajamento alto dos participantes — apenas três abandonaram o processo. Os resultados confirmaram a hipótese levantada pela equipe de pesquisadores de que a indução de uma “transformação” dos sentimentos em saudade pode ser positiva.
“A saudade é um sentimento muito presente na cultura brasileira, mas pouco explorado pela ciência”, afirma Jorge Moll Neto, neurocientista e idealizador do IDOR Ciência Pioneira, e um dos autores do estudo.
“Embora seja frequentemente vista como um sentimento melancólico, a saudade também se mostra como um sentimento mais adaptável. Alguns estudos sobre nostalgia em contextos internacionais mostram que ela pode aumentar o senso de pertencimento e propósito. Nossa hipótese era de que ela pode ser benéfica quando observada por esse viés de amor e conexão com algo do passado”, explica o especialista.
A pesquisa foi uma das primeiras a propor e a testar diretamente o uso da saudade como ferramenta terapêutica, segundo Neto. “Apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos, muitos pacientes com depressão ainda não têm bons resultados aos tratamentos existentes, e novas abordagens são necessárias. Neste sentido, o estudo trouxe resultados positivos”, afirma.
No entanto, apesar dos resultados, o trabalho apresenta algumas limitações. Uma delas é a participação muito maior de mulheres em relação aos homens, o que impediu comparações robustas entre os gêneros. Por isso, é importante que outras pesquisas sejam feitas para recrutar de forma mais equilibrada os participantes em termos de gênero e diversidade étnico-cultural.
Além disso, este foi um estudo de prova de conceito, cujo objetivo principal era testar a viabilidade, segurança e engajamento com a intervenção. Ainda não é possível afirmar causalidade, mas os resultados indicam que vale a pena avançar com estudos clínicos mais robustos.
“Nosso próximo passo é desenvolver ensaios clínicos randomizados, com grupos de controle e amostras clínicas, ou seja, pacientes com diagnóstico formal de depressão”, afirma Neto.
Fonte: CNN Brasil