Um estudo publicado na revista eClinicalMedicine, do grupo The Lancet, e apresentado no Congresso Europeu de Obesidade em maio deste ano mostrou que medicamentos injetáveis para perda de peso podem reduzir pela metade o risco de cânceres relacionados à obesidade. Os dados inauguram uma nova era na medicina preventiva do câncer.
Segundo a pesquisa, as injeções de GLP-1 (agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1) podem reduzir em até 50% o risco de cânceres relacionados à obesidade, como os de mama, colorretal, pâncreas e ovário.
Os cientistas compararam os efeitos da cirurgia bariátrica com os medicamentos utilizados para perda de peso em mais de seis mil indivíduos. Embora a intervenção cirúrgica tenha proporcionado uma perda de peso aproximadamente duas vezes maior, os medicamentos mostraram eficácia semelhante ou até superior na prevenção de cânceres associados à obesidade, graças à redução da inflamação crônica, um dos principais gatilhos para o surgimento de tumores.
Para os pesquisadores, os GLP-1RAs de nova geração, como o Mounjaro (tirzepatida), apresentaram os resultados mais promissores.
De acordo com Tassiane Alvarenga, endocrinologista e metabologista pela SBEM, a obesidade não é apenas um acúmulo de gordura, mas uma doença crônica, recidivante e inflamatória, que atua como gatilho para diversas outras condições.
“A obesidade causa, acelera ou exacerba mais de 230 outras doenças como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias [alterações no colesterol e triglicerídeos], apneia do sono, doença hepática associada a doença metabólica, doenças cardiovasculares [infarto e AVC] e até cânceres hormonossensíveis, como os de mama, endométrio e intestino”, afirma à coluna Claudia Meireles.
A médica explica que esse processo ocorre porque o tecido adiposo em excesso não é apenas um reservatório inerte de gordura — ele é metabolicamente ativo e produz citocinas inflamatórias, que geram um ambiente de inflamação crônica de baixo grau, alterando o metabolismo, os hormônios e a função de diversos órgãos. “Com o tempo, esse quadro desregula o eixo insulina-glicose, aumenta a resistência periférica à insulina e gera um verdadeiro ‘terreno fértil’ para o desenvolvimento de doenças”, argumenta.
Tassiane frisa que os análogos do receptor de GLP-1, como a semaglutida, os agonistas duplos GLp-1 e GIP, como a tirzepatida, e os agonistas triplos, como a Retratrutida (ainda em estudos clínicos), promovem perda de peso significativa — e já demonstraram benefícios cardiovasculares e metabólicos amplos. “Embora ainda estejamos avançando nos dados sobre câncer, sabemos que reduzir gordura visceral e inflamação crônica (ambos pontos de ação direta dessas medicações) pode ter impacto positivo na redução do risco de certos tipos de câncer”, reitera.
A endocrinologista salienta, também, que estudos observacionais já mostraram que pacientes com obesidade que conseguiram uma perda de peso sustentada (seja com medicamentos ou cirurgia bariátrica) apresentaram redução significativa no risco de desenvolver neoplasias hormonossensíveis, especialmente em mulheres.
“É importante ressaltar que essas medicações não são indicadas para prevenção de câncer. O foco continua sendo o tratamento da obesidade como doença — e os desfechos positivos em saúde, como bônus da condução clínica adequada”, pontua.
Em comparação às cirurgias bariátricas, o uso de injeções para perda de peso são uma alternativa menos invasiva, conforme aponta a profissional, além de apresentar boa tolerabilidade e eficácia comprovada. “Em alguns casos, a perda de peso pode se aproximar dos resultados da cirurgia bariátrica, especialmente com tirzepatida e ainda mais com a retratrutida (ainda não aprovada, mas em fases finais de ensaios clínicos)”, compartilha.
“Outra vantagem importante é a melhora da relação com o alimento, pois essas drogas modulam o centro da fome e saciedade no cérebro”, acrescenta a metabologista.
Por outro lado, a cirurgia bariátrica, embora seja o tratamento mais eficaz para perda de peso em pacientes com IMC muito elevado, carrega maior risco de complicações, exige preparo psicológico e nutricional extensivo e pode trazer deficiências nutricionais e sintomas gastrointestinais crônicos, dependendo da técnica utilizada.
A desvantagem do uso dos medicamentos injetáveis, contudo, é que eles ainda não são acessíveis a todos.
“Eles têm custo elevado, cobertura limitada pelos planos de saúde e exigem adesão a longo prazo, já que a obesidade é uma doença crônica e, com a suspensão da medicação, há alto risco de reganho de peso”, alerta a médica.
Mais estudos são necessários
Durante o Congresso Europeu de Obesidade, 54 especialistas internacionais de 12 países distintos assinaram uma declaração conjunta defendendo que medicamentos para perda de peso sejam priorizados em ensaios clínicos voltados à prevenção de câncer. A Universidade de Manchester, no Reino Unido, por exemplo, já planeja um estudo de larga escala com dezenas de milhares de pacientes, previsto para começar nos próximos anos.
Fonte: Metrópoles