O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025 foi marcado pela divulgação antecipada de questões que caíram na prova: só em matemática e em ciência da natureza, 8 perguntas da aplicação principal e 4 da edição da Grande Belém já haviam aparecido em lives, apostilas e grupos de Whatsapp, com números e alternativas basicamente idênticos.
Para evitar que o problema ocorra novamente, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manoel Palacios, afirmou com exclusividade ao g1, nesta segunda-feira (8), que testará ferramentas de inteligência artificial para diminuir o número de humanos envolvidos na formulação da prova.
“Hoje, para fazer um pré-teste de questões, precisamos de 15 mil estudantes reais. O principal desafio disso é manter o sigilo do material”, diz. “Vamos experimentar sistemas já desenvolvidos em que a IA simule ser alunos fortes, medianos e mais fracos respondendo.”
Segundo Palacios, a ideia é que, do outro lado, haja uma equipe de juízes para “alinhar as máquinas e garantir que o processo de calibração seja bastante preciso”. “Parece ser o caminho mais produtivo”, explica.
Por que os pré-testes estão relacionados ao caso Edcley?
No modelo atual, todas as perguntas do Enem são retiradas do Banco Nacional de Itens (BNI), uma espécie de “estoque” de questões. Para que o acervo seja abastecido, ocorrem três etapas:
- Elaboração dos itens: redação das perguntas feita por educadores e pesquisadores credenciados;
- Validação pedagógica: especialistas analisam se o item está alinhado à matriz de referência e às habilidades cobradas;
- Pré-testagem: questões são aplicadas a uma população semelhante à que fará o Enem. É aqui que mora a fragilidade do exame.
As pergunta são “disfarçadas” e colocadas em avaliações para que, a partir de análises estatísticas e pedagógicas feitas a partir das respostas dos alunos, três aspectos sejam medidos:
- nível de dificuldade da habilidade cobrada (valores maiores representam questões mais difíceis);
- discriminação (mostra o quanto a questão diferencia participantes que dominam a habilidade daqueles que não dominam);
- acerto casual (representa a chance de acertar por “chute”).
O g1 revelou, em primeira mão, que o estudante de medicina Edcley Teixeira havia descoberto que um concurso da Capes (órgão do governo federal), aplicado para alunos do 1º ano da graduação, era um dos meios de pré-testar perguntas para o banco do Enem. Ou seja: conteúdos dessa prova potencialmente fariam parte do exame oficial em edições futuras.
Edcley passou, então, a pagar para que estudantes participassem desse concurso, memorizassem o máximo de itens que conseguissem e enviassem áudios e mensagens com as informações. Foi assim que o estudante de medicina montou um banco de pré-testes do Enem e passou a vendê-lo.
Resultado: questões idênticas às que estavam em apostilas e lives apareceram na prova oficial.
Mudança de postura
Em resumo, a postura do Inep foi a seguinte:
- Diante das 8 questões do Enem principal que haviam sido antecipadas por Edcley, o órgão anulou 3 delas e acionou a Polícia Federal.
- Depois, o Inep disse que tomou essa decisão ainda em meio a incertezas, sem a clareza da situação. E que, após analisar com mais tempo, percebeu que ninguém teria sido prejudicado. “O fato de se visualizar uma questão que por coincidência caiu em uma prova não altera o resultado de ninguém”, disse Palacios, em novembro.
- O presidente do Inep disse ainda, na ocasião, que o esquema de pré-testes não seria modificado.
- Nenhuma outra pergunta foi anulada, nem mesmo no Enem de Belém, quando outras 4 perguntas foram “adiantadas”.
Nas redes sociais e em manifestações pelo Brasil, candidatos que não tiveram acesso a esses materiais continuam pedindo a anulação do Enem 2025, alegando falta de isonomia.
Nesta segunda-feira (8), Palacios assumiu ao g1 que é preciso mudar, aos poucos, as técnicas de formulação do Enem. Os pré-testes continuarão existindo, mas com alterações.
Além do uso da inteligência artificial, outra opção a ser analisada é a troca do tipo de prova em que os pré-testes são colocados. No concurso da Capes, por exemplo, qualquer aluno de 1º ano da graduação podia se inscrever — o que já reduzia o sigilo dos conteúdos.
“Aplicar as perguntas nas redes de ensino não envolve inscrição. A dificuldade é o interesse: quem participa precisa estar engajado, querendo o resultado. Se o aluno não receber nenhum benefício, vai faltar ou não se dedicar. Isso compromete as análises de desempenho”, diz Palacios.
A prova da Capes, por exemplo, oferecia um prêmio de R$ 5 mil.
“São problemas universais, presentes em grandes avaliações, e que exigem cautela nas mudanças. Vamos ver se conseguimos resolver nos próximos meses. Aí, dará para inovar mais”, afirma o presidente.
Fonte: G1

