Um exame de DNA revelou que o paulista Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, desenvolveu câncer originado no fígado recebido em um transplante realizado dia 8 de julho de 2023.
O adenocarcinoma foi descoberto em Junior sete meses depois, em março de 2024. No mesmo mês, o paciente foi submetido a exame de DNA no Hospital Albert Einstein, onde foi realizado o transplante e também onde ele faz quimioterapia após a equipe médica identificar metástase do tumor no pulmão de Geraldo, em agosto do ano passado.

A genotipagem é clara e conclusiva. O resultado apontou que “as células da neoplasia não têm o mesmo genótipo das células do sangue periférico do paciente”, concluindo, então, que o tumor teve origem no órgão transplantado.
“Nesse contexto, a principal possibilidade é ser considerada que o adenocarcinoma da amostra AE24-021252 seja de origem doadora, e que tenha sido carreado juntamente com o transplante, provavelmente na forma de células isoladas ou micrometástases, manifestando-se clinicamente e radiologicamente, apenas durante o acompanhamento clínico”, afirma o exame.
A médica especialista em medicina legal e perícia Caroline Daitx analisou os exames de Geraldo, cuja realização foi confirmada à reportagem, e afirmou que o resultado constitui prova definitiva da origem do câncer.
“Cada pessoa tem uma ‘impressão digital genética’ única. Esse exame comparou o DNA das células do câncer com o DNA do Geraldo e com o DNA da pessoa doadora do fígado. O resultado foi conclusivo: as células do tumor têm o DNA do doador, não do paciente”, explicou a médica.
O laudo hospitalar ainda evidencia que as células cancerosas do fígado possuem cromossomos sexuais femininos (XX), enquanto Geraldo, sendo homem cis, possui cromossomos masculinos (XY). “É como se as células do tumor ‘assinassem’ que vieram de uma mulher, não dele”, comentou a especialista.
O que diz o Ministério da Saúde
Inicialmente, o Ministério da Saúde informou à imprensa que o órgão transplantado não possuía relação com o surgimento do câncer.
Confrontado pelo Metrópoles com o laudo do Albert Einstein, a pasta afirmou que, antes da doação, não foram identificados ou apresentados indícios de qualquer problema de saúde nos exames realizados no doador, incluindo inspeção dos órgãos e abdômen, análise do histórico médico e entrevista com a família.
Segundo a pasta, todas as normas e os parâmetros internacionais foram cumpridos.
O ministério determinou o acompanhamento de saúde do paciente e informou que está monitorando o caso junto à Central Estadual de Transplantes e ao hospital responsável pelo atendimento.
“Até o momento, os exames não são conclusivos sobre a relação causal, que exige análise minuciosa. Todas as informações estão sendo compartilhadas com a vigilância local”, finalizou.
Exames em doador podem não identificar câncer
O oncologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Paulo Hoff destacou a excepcionalidade do caso de Geraldo, que ocorre em menos de 0,03% dos transplantes realizados no mundo. Hoff reforçou, no entanto, que “fatalidades” como essa podem ocorrer.
Apesar da triagem rigorosa dos órgãos doados — que inclui histórico médico do doador, exames macroscópicos e laboratoriais, como tipagem sanguínea e sorologias –, tumores ocultos ou micrometástases microscópicas podem não ser detectados.
Para o oncologista, é certo que a doadora teve câncer em algum momento da vida. “Se foi feito o teste e qualificou que veio do doador, não tem jeito, esse câncer veio junto com o fígado. Não é um câncer novo, o doador com certeza teve um câncer em algum momento, e ao ser feita a remoção do órgão, ele tinha células cancerosas presentes”, explicou.
Caso é raro, mas risco deve ser avisado
De acordo com Daitx, apesar da raridade de casos, é um risco inerente ao transplante, “que deve ser balanceado contra o risco de morte na lista de espera”.
“É fundamental ressaltar que o paciente precisa estar plenamente ciente desses riscos antes do procedimento. O processo de consentimento informado deve incluir a discussão sobre a possibilidade, ainda que remota, de transmissão de doenças do doador, incluindo malignidades ocultas”, apontou.
Márcia Vaz, esposa de Geraldo, afirmou à reportagem que nem ela nem o marido foram alertados sobre essa possibilidade.
Metástase e quimioterapia: o prognóstico de Geraldo
O Decreto nº 9.175/2017, que regulamenta a Lei dos Transplantes (nº 9.434/1997), determina que toda doação de órgãos no Brasil deve ser gratuita e anônima. Por isso, nem o Metrópoles nem a família de Geraldo tiveram acesso a dados da pessoa doadora ou do local da remoção dos órgãos. Márcia disse ter sido informada apenas que se trata de uma mulher que morreu vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Exames complementares mostraram que Junior está em metástase sem previsão de cura. Como tratamento, ele deve passar por sessões de quimioterapia, o que considera uma “sentença”.
“Ele tem que fazer [quimioterapia] pro resto da vida dele, porque sempre essa doença vai ter que estar controlada. No melhor do prognóstico, que ela continue controlada enquanto ele viver”, pontuou Márcia.
O homem, que era técnico de eletrodomésticos antes do diagnóstico, não tem mais condições de trabalhar.
“Primeiro, a gente precisa saber onde ocorreu o erro. E se o erro aconteceu, quem o cometeu. Para depois, a partir dali, partir para um pedido de mudança com urgência acerca do processo. Hoje é o Geraldo, amanhã pode ser o Antônio, depois, o José”, finalizou.
Fonte: Metrópoles