A juíza do Trabalho substituta Katarina Roberta Mousinho de Matos determinou que JBS Aves, Santa Colomba e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal (Apaeb) entrem em cinco dias no Cadastro de Empregadores, a chamada “lista suja do trabalho escravo”.
Gerenciada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a lista é uma das políticas públicas mais importantes no combate ao trabalho análogo ao de escravo no país.
A magistrada também fixou multa diária de R$ 20 mil pelo descumprimento da decisão.Play Video
Ministro do Trabalho
A decisão, que atendeu a pedidos do Ministério Público do Trabalho (MPT), vem após o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), adotar uma série de medidas que impediram a inclusão de empresas na lista, mesmo após processos administrativos concluídos. Isso beneficiou diretamente a JBS Aves, a Santa Colomba Agropecuária e a Apaeb.
Como mostrou a coluna Andreza Matais, em abril deste ano, uma fiscalização em granjas no Rio Grande do Sul resgatou pelo menos 10 pessoas em granjas fornecedoras da JBS Aves, que controla a marca Seara. Segundo auditores do Ministério do Trabalho, elas cumpriam jornadas de até 16 horas diárias em condições degradantes.
A coluna procurou à época a JBS Aves, que informou ter “tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”. A empresa disse ainda que “encerrou o contrato e bloqueou a terceirizada assim que tomou conhecimento das denúncias”.
Tentativa de obstrução
O MPT, então, considerou a situação ainda mais grave “porque um dos despachos determinou que o ato não fosse publicado, impedindo a transparência sobre medidas de combate ao trabalho escravo”.
Em despacho de 9 de setembro deste ano, a consultoria jurídica do Ministério do Trabalho opinou pela “legalidade e adequação” da avocação. O parecer foi assinado pelo procurador federal Ricardo Augusto Panquestor Nogueira.
O órgão processou a União para determinar o retorno das empresas flagradas explorando trabalho análogo ao de escravo à lista suja.
Segundo o MPT, apenas empresas que já tenham esgotado todos os recursos administrativos, com a garantia de ampla defesa e que recebam decisões administrativas finais, são incluídas na lista.
Proibição
A possibilidade de o ministro do Trabalho avocar para si a decisão final sobre punir ou não a empresa existe na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas nunca havia sido utilizada desde 2003, quando surgiu a “lista suja”, segundo a ONG Repórter Brasil, especializada no tema.
Para a magistrada, a gravidade dos fatos narrados, envolvendo tráfico de pessoas, falsas promessas, endividamento e condições degradantes, tornam ainda mais inadmissível a tentativa de obstrução.
A decisão judicial também proíbe a avocação indevida pelo ministro do Trabalho e Emprego e o sigilo de atos decisórios ou a dispensa de publicação.
A magistrada alerta que eventual descumprimento pode caracterizar crime de responsabilidade e desobediência, improbidade administrativa e responsabilização pessoal da autoridade omissa.
“A avocação pelo ministro do Trabalho e Emprego expõe uma ferida profunda no Estado de Direito: a captura do devido processo legal pelo poder econômico”, disse Luciano Aragão, coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT.
“O episódio não é apenas mais um caso de interferência política – é o sintoma de um sistema que protege grandes corporações enquanto abandona trabalhadores à própria sorte”, acrescentou.
A juíza classificou como grave o ato de impor um “sigilo injustificável, que visa blindar os atos do controle social e judicial”.
Ela ressaltou que a Portaria Interministerial nº 4/2016, que dispõe sobre o Cadastro de Empregadores, veda a interferência política, e que a avocação “afronta a finalidade administrativa, a impessoalidade, a moralidade, a jurisprudência do STF e a própria portaria”.
Outro lado
Em nota enviada nesta quarta-feira (3/12), a JBS Aves informou que a Seara “contratou uma auditoria externa para checagem da documentação dos trabalhadores de empresas terceiras, bem como intensificou a auditoria interna, com análise e verificação diária de todas as condições da prestação de serviços de apanha realizada por terceiros”.
A empresa reforçou ter “tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”.
“Todos os fornecedores estão submetidos ao nosso Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, acrescentou.
A reportagem também procurou nesta quarta o Ministério do Trabalho. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.
Fonte: Metrópoles

