O triângulo amoroso nunca termina bem.
A história de Dona Flor e seus dois maridos não foi de tragédia e morte porque o ousado Vadinho já tinha falecido e era em espírito que aparecia para os quentes momentos de prazer com a amada, que, à esta altura estava casada com o manso Teodoro.
Nelson Rodrigues também explorou o tema, em Vestido de Noiva. Na obra, Alaíde toma o namorado, Pedro, da sua irmã, Lúcia. Conflito interessante, porque há mistura da realidade com o imaginário. Enquanto padece no hospital, Alaíde tem alucinação com cafetina - significativa-mente, com traços de culpa pela traição. Machado de Assis e Shakespeare exploraram os triângu-los amorosos, nos brindando com peças fantásticas.
Na política e nas guerras entre os povos, os relacionamentos triangulados também estive-ram presentes, normalmente envolvendo a traição de um país ou povo a outro. As operações de bandeira falsa são exemplo, objetivando atribuir a outrem a culpa por atos hostis e impopulares, praticados, normalmente, contra o seu próprio povo, como mera justificativa para a repressão, a perseguição e as guerras.
Por muitos anos, o Brasil esteve alinhado com os Estados Unidos e houve verdadeira in-vasão da cultura americana e dos seus padrões industriais e comerciais no Brasil, notadamente após a chegada da indústria automobilística e os anos após 1964. Esse padrão substituiu os anos de forte influência inglesa, dos tempos do Império, mais forte desde a contenção e guarda da Co-roa Portuguesa diante dos movimentos de Napoleão.
Em anos recentes, assistimos a subida da China ao cenário de liderança global, já dividin-do com os Estados Unidos o poder econômico, sempre empurrado pela força militar, fazendo a economia global operar numa relação pendular entre dois mundos completamente diferentes.
Os Estados Unidos e a democracia são absolutamente distintos da China comunista. A li-berdade é um traço diferenciador, em tudo. A economia de um é calçada na livre iniciativa, en-quanto o outro opera com centralização econômica, onde o Estado absorve e define tudo.
Dirão alguns que a China opera, também, com práticas capitalistas. Contudo, neste caso, isso ocorre pela mão forte do Estado centralizador, com as estratégias e planificação estatais e centralização da propriedade – que é estatal. O Estado controla tudo e a sociedade não vota, não dispõe de propriedade privada tal qual conhecemos e não participa dos processos de escolha, que são feitos pelo poder central.
É até curioso que se fale em “partido único”, pois a ideia de partido traz consigo a tole-rância política como valor absoluto de boa convivência. Isso só ocorre quando podem coexistir diferentes partidos, cada um com uma sua ideologia e convicção política.
A grande questão é que o mundo se surpreendeu com o admirável crescimento econômico da China e os seus tentáculos espalhados por todas as regiões. Neste cenário, o Brasil conseguirá vantagens em alimentar um triângulo amoroso com os Estados Unidos e a China? Estaremos acima dos ensinamentos da mitologia e da literatura, sobre os contextos de triângulos amorosos? Conseguiremos sobreviver ao jogo da balança e da vantagem comparativa setorial e momentâ-nea, ora optando por vantagens comerciais e políticas com os Estados Unidos, ora com a China? Estaremos imunes aos sentimentos humanos e que se refletem, claro, nas gestões dos países e governos e empresas, envolvendo a traição, a concorrência desleal, a espionagem e as tragédias em torno dessas intrincadas questões?
Em primeiro lugar, precisamos compreender que o sistema global não é diferente das pe-quenas esferas de poder e que os sentimentos e valores humanos estão presentes, sempre.
Todavia, há diferenças na cultura da vantagem comparativa do livre comércio, presente na tradição ocidental, com valores outros de uma civilização milenar e um governo comunista centralizador. O confucionismo reflete valores importantes e que, na nomenclatura, são comuns a todos os povos, mas os nomes e palavras são diferentemente valorados conforme a tradição de cada povo. Há complexidade nisso e aí mora um dos perigos. Outra questão relevante diz respei-to ao volume da população chinesa. O partido gestor sabe que é preciso que o povo esteja ali-mentado para que haja paz interna. Para isso, expansão econômica crescente é fundamental. É questão de sobrevivência e é questão de poder.
Noutra senda, a coexistência política e, principalmente, competitiva, entre os Estados Unidos e a China é conjuntural mas não desejado por qualquer deles, pois sabem que a questão entre si é de vida ou morte, como explica o Teorema de Tucídides, general do tempo da Guerra de Peloponeso, envolvendo a tendência para a o conflito militar quando uma potência instalada se sente ameaçada por outra em ascensão. O clima de insegurança e de desequilíbrio, no jogo de poder, tende a desaguar em guerra bélica, que não é senão uma etapa de guerra comercial e de sobrevivência política e social dos países.
Importantes lições a respeito nos legou o general prussiano Carl Von Clausewitz, na sua volumosa obra Da Guerra. Apesar do seu tamanho, merece ser lida, sendo livro fundamental para se compreender que a guerra é uma forma de política e que deve ser entendida dentro do contex-to das relações entre os países e povos, envolvendo três elementos: a violência em si, a incerteza e a fricção. Clausewitz também analisou a “névoa” que envolve as guerras, porquanto nem sem-pre os cenários são claros e previsíveis – e, sim, o elemento surpresa também ocorre e é capaz de mudar os resultados das análises mais profundas.
A fricção e a incerteza envolvem um pouco do que temos visto, no mundo. Há tensão, há competição, há cenários sendo minuciosamente analisados por cada um dos atores e há a concor-rência de outras forças políticas e econômicas, como a Europa e a sua União-Europeia, a Índia e a Rússia, além de disputas em torno do petróleo e guerras menores, que sempre estão em curso.
A ação e contrarreação são constantes e a mentalidade da Guerra Fria ainda não terminou. Os novos jogos de poder já atingem regras consolidadas e questionam o papel da ONU e da OTAN. Também interfere na área de influência dos Estados Unidos nas Américas, diante da pre-sença crescente da China na região, inclusive com compra de terras – um detalhe nos chama a atenção, pois não seriam compradas por empresas absolutamente privadas, segundo o conceito ocidental, mas por empresas que operariam como dignatárias do Estado Chinês, pela sua caracte-rística de economia centralizada, daí levando à conclusão de que seriam aquisições de terra por um país dentro de outro país, o que pode ocasionar questões interessantes e sensíveis, ainda não experimentadas, na geopolítica global.
Podemos barganhar vantagens comerciais pontuais, mas nos iludiremos se ignorarmos que alguns acordos são feitos como cláusula de “contenção”. É algo como atrair para perto, sig-nificando que certas contratações são menos imediatamente comerciais e mais para proteção de área de influência política e econômica – algo como colocar o pé “no limite” para, depois, poder avançar.
Temos tudo a ganhar e temos tudo a perder. Por isso, mais do que avaliar os parceiros ou adversários, precisamos ser capazes de alavancar o Brasil e isso dependerá da autoanálise como nação e, a partir daí, da definição do rumo a seguir, sob pena de nos perder neste triângulo amo-roso e de ser engolidos numa tragédia grega.

