- Eu acho que poesia é aquela coisa melosa romântica cheia de rima e “babação”. Penso que o poeta é aquele ser que ama e não é correspondido. A inspiração é aquele momento que o poeta ou o artista é abduzido por algo estranho quando ele não tem nada para fazer. Disse um amigo
- Bem, eu já acho que a arte é aquele lugar de muitas loucuras. Os poetas criam poesias que, às vezes, se lê e nada se entende. Onde o amor é perfeito e os que amam sofrem. E a muito falada subjetividade, está mulher que é desnudada por diferentes olhares, os quais veem, na mesma coisa, caminhos diferentes.
Eu, particularmente, não entendo essa parada de inspiração. - E você amigo, concorda conosco, ou não? Para você, o que é essa tal de inspiração? Perguntou-me um dos amigos.
- Oi! Falando comigo?
- Sim, com você mesmo. Vejo que você está lendo um livro de Shakespeare e com certeza você gosta de poesia ou de arte no geral.
Por alguns segundos, olhei surpreso para o rapaz e lhe disse: - Perdoe-me, mas não prestei muita atenção ao que vocês dois estavam a falar. Ouvi algumas coisas sobre arte, poetas e inspiração.
Vocês gostariam de conversar sobre o assunto? Eu acho que seria um papo muito proveitoso e gostoso. Algo inspirador. Não acham? - Inspirador? Resmungo o outro amigo que parecia ser muito cético a muitos aspectos da vida, especialmente, a tudo sobre arte.
- Sim, inspirador, algo como o cio ou o ovular do artista e/ou o do poeta. Disse-lhe eu.
- Calma aí, amigo! O poeta ovula? Você não está trocando as bolas? não são as poetisas que ovulam? Que papo é esse?
- Bem, meus queridos e mais novos amigos. Na verdade, antes de falarmos sobre o que vocês me interrogaram, precisamos falar sobre um ser que está presente, completamente, em nossas vidas e em nosso dia a dia: A Palavra.
Concordo com vocês que os poetas não são pessoas normais, loucos talvez, dependendo de como vocês conceituam o termo “loucura”. Não normais porque os poetas conseguem conceituar as palavras de modo que dão, aos seus leitores, uma possibilidade maior de entendimento de uma palavra ou frase.
Vejam só! Se eu perguntar a vocês: O que é a noite? O que vocês me responderiam? - Bem, a noite é um período do dia, o período dos amantes, para ser mais poético.
- Uma resposta simples e lógica, mas o poeta te responderia: A noite é um livro que dá voz ao mundo, um criado mudo ao lado de nós. É a sede do corpo, a fome da pele, o frio que se cobre em nossos lençóis.A noite é a chama que clama: Me ama, são dois corpos querendo um beijo roubar. É o ser que me toma quando o sono não chega, é a boca molhada num simples beijar.
- Interessante! disse-me um dos rapazes.
- O que é o amor? Pergunto a vocês.
- É um sentimento sublime, mas que às vezes, nos enlouquece. (Risos). Já sei, uma resposta simples. E o que diria o poeta?
O poeta diria: O amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. - Olha, muito interessante. Eu nunca tinha olhado as coisas por esse prisma. Na verdade, sentimos mais as palavras dessa forma. Parece que esses conceitos nos trazem uma verdade mais pura, pois elas vêm e aguçam os nossos sentidos e assim as entendemos melhor. Fosse como as palavras dissessem o que querem permeadas de verdades e cabe a nós abrirmos as nossas mentes para captar o que elas querem dizer.
- Isso mesmo. Agora podemos falar sobre a “palavra”.
Gosto muito do que disse Adriana Falcão em seu livro Pequeno dicionário ao Vento.
“As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição. Os poetas classificam as palavras pela alma porque gostam de brincar com elas, e para brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro. É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado para dizer o que quer, dar sentimento às coisas, fazer sentido. A palavra nuvem chove. A palavra triste chora. A palavra sono dorme. A palavra tempo passa. A palavra fogo queima. A palavra faca corta. A palavra carro corre. A palavra “palavra” diz. O que quer”. E nunca desdiz depois. As palavras têm corpo e alma, mas são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito, e pronto.” - Vejam bem, meus nobres amigos. Disse-lhes eu: – As palavras têm corpo e alma e logo são permeadas de sentimentos fazendo com que o fazer poético esteja relacionado a escrever um poema de acordo com esses sentimentos, a partir de aspectos que envolvem a realidade e o cotidiano.
Lembrando que a poesia consiste em um gênero textual que está ligado a diferentes áreas, como a literatura, música, teatro, no cinema, nas artes plásticas etc. Ela tem a função de expressar as emoções do eu lírico.
Nenhuma obra literária deve ser forçada. Lembram que no início de nossa conversa eu falei sobre a “ovulação” do poeta ou do escritor em geral? Essa ovulação é que muitos conhecem como Inspiração. Quando eu digo que o poeta ovula, eu quero dizer que ele está pulsando criação, ele está ávido a escrever seu texto, seja ele um poema, conto, crônica, romance etc.
Esses lampejos de inspiração (ovulação) vêm à mente sorrateiramente, vindo assim do nada, não se sabe de onde vêm. Parece que se escondem nas profundezas do âmago, até resolverem se revelar.
Nesse momento de ovulação, os poetas ficam como se estivessem no cio e fértil, submisso aos caprichos da poesia, pois eles não a escolhem, ela é que surge, fecundada no útero poético dos poetas e poetisas. A partir daí, nada mais importa, apenas e tão somente o transbordar das palavras, as quais, paulatinamente, vão surgindo e povoando o coração do poeta.
E assim, o cético virou crente e o admirador um idólatra. Coisas das palavras.
METALINGUÍSTICA
Palavras são feras bravas soltas na língua
Cães famintos dilacerando os sentidos
São aves vivas voando no céu da boca
Às vezes desejos morrendo à míngua.
Palavras são meretrizes nuas e loucas
São mulheres a procura do amor perdido
São elas luzes que retocam semblantes?
Ou são elas beijos que retocam a boca?
Palavras são silêncio quando a noite é pouca
São mulheres fortes com filho no ventre
Palavras são vozes que apavoram os anjos
São virgens amáveis sem as suas roupas.
Palavras são vozes silenciosas e roucas
São águas que banham o silêncio eminente
São a perfeita forma de um poema torto
Palavras são feras na floresta da gente.
Jorge A. M. Maia