A concessão do Prêmio Nobel da Paz de 2025 à ex-deputada venezuelana María Corina Machado surpreendeu a opinião pública internacional e acendeu uma onda de críticas em múltiplos setores. Reconhecida como líder da extrema-direita na Venezuela, Machado tem um histórico que contrasta frontalmente com os ideais de pacificação e mediação que o prêmio simboliza.
Subscritora do Decreto Carmona — peça central do golpe relâmpago de 2002 contra Hugo Chávez —, defensora de sanções econômicas que aprofundaram a crise social em seu país e apoiadora explícita de uma intervenção militar estrangeira, sua escolha soa como um paradoxo. O filósofo alemão Jürgen Habermas já advertira que a democracia não pode ser instrumentalizada por soluções autoritárias travestidas de salvacionismo. Nesse sentido, premiar Machado é, na visão de muitos críticos, elevar ao altar da paz uma trajetória marcada pela apologia da violência política.
O desconforto se estende também à sua postura no cenário internacional. María Corina Machado tem sido entusiasta das ações militares de Israel em Gaza, mesmo quando denúncias de organismos multilaterais classificam tais ofensivas como violações sistemáticas do direito humanitário. A filósofa norte-americana Judith Butler, referência nos estudos sobre ética e violência, insiste que a paz não se constrói legitimando massacres, mas pela preservação da vida e do reconhecimento mútuo entre povos. No mesmo diapasão, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos vê no prêmio uma “normalização da barbárie”, pois, em suas palavras, “o Ocidente, em crise de legitimidade, premia quem sustenta as lógicas da guerra como se fossem caminhos de liberdade”. O contraste entre o discurso oficial do Comitê Nobel e as práticas políticas da premiada expõe uma fratura profunda no sentido universal do reconhecimento.
Religiosos e líderes espirituais também manifestaram repúdio. O Papa Francisco, que em diversas ocasiões condenou tanto os bloqueios econômicos quanto as agressões militares no Oriente Médio, ensina que a paz exige “pontes e não muros”. A outorga do Nobel a uma figura identificada com a defesa de golpes e intervenções militares soa, para muitos teólogos da libertação na América Latina, como um insulto às populações historicamente martirizadas. Leonardo Boff, um dos expoentes dessa corrente, afirmou que a escolha revela a captura de símbolos universais pelos interesses geopolíticos, distorcendo o ideal da paz para adaptá-lo à conveniência das potências. A fé cristã, lembra Boff, não pode compactuar com prêmios que legitimam a lógica de Caim sobre a de Abel.
No campo político, líderes progressistas de diferentes países reforçaram as críticas. O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica dizia que “a paz não se decreta a partir de tanques nem de bloqueios econômicos”. Já o economista indiano Amartya Sen, Nobel de Economia, sempre defendeu que a liberdade só é autêntica quando acompanhada de justiça social e não pode coexistir com políticas que aprofundam a miséria. Ao consagrar María Corina Machado, o Comitê Nobel da Paz parece ter cedido à pressão de setores que confundem hegemonia geopolítica com valores humanitários universais. O resultado, como observou o jurista brasileiro Fábio Konder Comparato, é a corrosão simbólica de um prêmio que deveria ser “patrimônio da humanidade” e não instrumento de legitimação de projetos excludentes. Diante disso, a decisão de 2025 pode ser lembrada mais como um equívoco histórico do que como um passo real em direção à paz mundial.