O recente recuo de Donald Trump frente à imposição de tarifas comerciais contra o Brasil é mais do que um episódio isolado de tensão diplomática. Trata-se de uma demonstração viva das contradições que atravessam o sistema internacional em um momento de rearranjo das forças hegemônicas. Ao anunciar uma taxação de 50% sobre produtos brasileiros, o ex-presidente dos EUA buscava reafirmar a supremacia de uma ordem unipolar em crise. A retirada da medida, no entanto, revelou a impossibilidade de sustentar uma política imperialista sem enfrentar as contradições internas do próprio capitalismo de Estado norte-americano. Como alertava Antonio Gramsci, vivemos tempos de interregno: “o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”. Nesse hiato, os conflitos se intensificam, e a resistência se torna não só necessária, mas possível.
É nesse contexto que a postura do governo Lula assume relevância estratégica. Diante de uma agressão comercial que pretendia dobrar o Brasil a interesses alheios, a diplomacia brasileira operou com maturidade, firmeza e inteligência tática. Não se tratou de uma resposta beligerante, mas de uma articulação que evidenciou a centralidade da soberania como valor inegociável. Ao contrário das bravatas que empolgam o bolsonarismo submisso ao Departamento de Estado, Lula compreende — como bem apontava Florestan Fernandes — que a dependência estrutural só pode ser enfrentada com uma combinação entre mobilização popular e Estado com projeto. Mesmo sob as amarras de um Congresso reacionário, o governo sinalizou que o Brasil não aceitará ser tutelado em sua política externa.
O que está em jogo vai além de tarifas ou medidas de retaliação: trata-se da redefinição dos termos da inserção do Brasil no mundo. As fissuras abertas no império podem — e devem — ser aproveitadas para fortalecer uma agenda que coloque os interesses do povo brasileiro no centro. É hora de recolocar em pauta temas estratégicos como a reindustrialização com soberania tecnológica, a proteção dos bens naturais sem ingerência externa e um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, baseado na integração regional e na justiça social. Como dizia Celso Furtado, o subdesenvolvimento não é uma etapa — é uma estrutura que se reproduz. Romper com ela exige projeto político, consciência histórica e, sobretudo, coragem.
A esquerda brasileira tem, diante de si, uma oportunidade histórica: articular as lutas internas com a disputa geopolítica global. A hegemonia não se impõe apenas pela força, mas também pela direção moral e intelectual, como ensinava Gramsci. Cabe-nos disputar essa direção com propostas que combinem soberania nacional, transformação estrutural e protagonismo popular. O episódio com Trump mostrou que a dominação imperial não é invencível — e que resistir, mesmo nos marcos institucionais, pode gerar vitórias. Mas a vitória definitiva dependerá da nossa capacidade de acumular força social, de mobilizar os de baixo e de construir um Brasil que não aceite mais ser periferia de impérios em declínio.
A resistência possível: soberania nacional e o desafio do imperialismo em tempos de transição geopolítica
